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20 de Junho – XII Domingo do Tempo Comum

Zac 12, 10-11; 13, 1; Sl 62; Gal 3, 26-29; Lc 9, 18-24

Guinadas na vida

            Um dia, Jesus orava sozinho, estando com Ele apenas os discípulos. Então perguntou-lhes: «Quem dizem as multidões que Eu sou?» Eles responderam: «Uns, João Baptista; outros, que és Elias; e outros, que és um dos antigos profetas que ressuscitou». Disse-lhes Jesus: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» Pedro tomou a palavra e respondeu: «És o Messias de Deus». Ele, porém, proibiu-lhes severamente de o dizerem fosse a quem fosse e acrescentou: «O Filho do homem tem de sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas; tem de ser morto e ressuscitar ao terceiro dia». Depois, dirigindo-Se a todos, disse: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-Me. Pois quem quiser salvar a sua vida, há-de perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, salvá-la-á». (Lucas)

  
          Todos vós sois filhos de Deus pela fé em Jesus Cristo, porque todos vós, que fostes baptizados em Cristo, fostes revestidos de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; todos vós sois um só em Cristo Jesus. Mas, se pertenceis a Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa.(Gálatas)
 

Guinadas na vida

            Quando S. Lucas nos quer introduzir a um momento extremamente solene da vida de Jesus, diz-nos que tal acontecimento se deu num contexto de oração: “Jesus orava ao Pai”. Assim aconteceu no baptismo, na transfiguração do Tabor, na agonia do Horto…, e, curiosamente, nesta conversa de Jesus com os seus discípulos, narrada no evangelho da missa deste Domingo.
 
            Estamos, pois, na visão de S. Lucas, num momento extremamente solene da vida de Jesus. E S. Lucas não está sozinho nesta apreciação. Marcos faz desta conversa o centro do seu evangelho, e Mateus, que escreve para judeus, chega a dizer que a expressão de Pedro foi “Tu és o Filho do Deus vivo”!
 
            Trata-se, de facto, nesta conversa com os discípulos, de um profundo “exame de consciência” que Jesus faz da sua vida, dos seus valores, da sua própria identidade (“quem sou eu?”) e da sua missão: “o que quer o Pai de mim?” Deste exame de consciência, deste discernimento feito com a ajuda dos discípulos, resultam três dados: a confirmação de uma unidade única com Deus (no parecer dos seus discípulos), um caminho de sofrimento e morte (antevisto claramente pelo próprio Jesus) e uma mudança no modo de estar ao serviço de Deus, aquilo a que a nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém chama uma “guinada na vida de Jesus”, e que se traduz em Jesus ter deixado de orientar a sua vida para as multidões e passar agora a orientá-la para a formação, instrução e confirmação na fé dos seus discípulos.
 
            Estas guinadas na vida só se fazem com uma fé em Deus maior do que todas as seguranças adquiridas. Quem guina para a morte, tendo adquirido antes as palmas das multidões, só pode estar inteiramente confiado às mãos de Deus.
 
            Curiosamente, o cristianismo nasce também como uma grande guinada religiosa no mundo do judaísmo! Os primeiros cristãos, como S. Pedro ou S. Paulo, não se consideravam a si próprios cristãos, mas judeus. Quando admitiam pessoas pagãs ao cristianismo, na verdade consideravam que as estavam a admitir ao judaísmo, embora plenamente conscientes de que o judaísmo que eles viviam era muito diferente do judaísmo da tradição. Por outro lado, toda a gente sabia que estes cristãos, de facto, não eram judeus nem de nascimento nem de religião! Então, como considerá-los herdeiros das promessas que Deus tinha feito historicamente só aos judeus? No texto que lemos hoje, S. Paulo, escrevendo aos Gálatas, enfrenta este problema e responde assim: se o baptismo incorpora todos os cristãos em Jesus, sendo Jesus descendente de Abraão, verdadeiro judeu de sangue e de fé, então, através de Cristo, todos os cristãos não judeus são incluídos nas promessas de Deus de que Jesus era legítimo destinatário. Em boa verdade, o argumento, mesmo que profundo, é tosco e só prova a dificuldade da Igreja primitiva em gerir esta guinada gigantesca nas tradições judaicas. Afinal, tinha sido mais fácil para estes judeus-cristãos permanecerem nas suas tradições. Mas a fidelidade a Deus exigiu outros caminhos. Prova-se que nem as mais seguras tradições em nome de Deus são sempre fidelidade a Deus, e que essa fidelidade exige, muitas vezes, grandes guinadas na vida: na vida pessoal, como Jesus; na vida comunitária, como os primeiros cristãos.
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