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23 de Maio – Domingo de Pentecostes

Act 2, 1-11; Sl 103;Rom 8, 8-17 ; Jo 20, 19-23; Jo 7, 37-39

No último dia, o mais solene da festa, Jesus estava de pé e exclamou: «Se alguém tem sede, venha a Mim e beba: do coração daquele que acredita em Mim correrão rios de água viva». Referia-se ao Espírito que haviam de receber os que acreditassem n’Ele. O Espírito ainda não viera, porque Jesus ainda não tinha sido glorificado. (João)

Dizia-se: “Ele é realmente o Profeta”

 
                Para a nossa reflexão, tomámos este texto de João, que é o Evangelho da missa da Vigília.
                S. João gosta de situar os acontecimentos que relata nos tempos e nos lugares. Para ele, os lugares e as datas são também revelação de Jesus e do que queria Jesus. Assim acontece com este evangelho: “no último dia, o mais solene da festa, Jesus estava de pé e exclamou”. Outras traduções dizem “disse em voz alta”, e outras ainda “bradou”. 
                Então, vamos por partes: o lugar é o templo de Jerusalém. O tempo é a festa dos tabernáculos, ou das tendas, ou ainda das colheitas. Era uma das três maiores festas religiosas judaicas, com obrigação dos judeus peregrinarem até ao templo. A própria diversidade de nomes alude à diversidade de significados. Era uma festa que durava sete dias e trazia a Jerusalém imensos peregrinos. A festa girava à volta de três símbolos: 
                Tendas – as pessoas ficavam a viver em tendas, sem tecto, durante esses sete dias, para lembrar os 40 anos que tinham vivido no deserto, depois de saírem do Egipto. Como celebrava o nomadismo do deserto, era também uma festa muito querida aos judeus que tinham emigrado;
                Produtos agrícolas – porque coincidia com o tempo das colheitas;
                Água – porque coincidia com o início da estação das chuvas, e a água era vital para a agricultura. Assim, nesses sete dias, o sumo sacerdote aspergia o altar do templo com água tirada da nascente de Siloé.
 
                Percebemos que é uma festa que põe em confronto a contingência ou impotência da vida (tão dependente dos caprichos dos poderosos, ou da qualidade dos solos, ou das condições climatéricas…) com a providência sempre amorosa de Deus (que liberta, que faz brotar água no deserto e que faz vir as chuvas para as sementeiras).
                Segundo nos informa S. João, o último dia era o mais solene de todos. Partindo do princípio de que os peregrinos viviam estas festas com uma profunda fé, a solenidade deste último dia evidencia mais ainda este estado de espírito de fragilidade humana e de total dependência de um gesto benfazejo de Deus.
                É neste clima psicológico que Jesus intervém. Coloca-se de pé e brada alto! No gesto de colocar-se de pé, assume a sua dignidade humana como um valor em si; como que se horizontaliza com Deus; como que recusa a auto-desconsideração nas capacidades próprias em que todos parecem afundar-se ou comprazer-se. Só por si mesmo, este gesto de assumida verticalidade parece toda uma longa e inusitada heresia… E brada! Brada como quem comunica com autoridade e com verdade, certamente, mas mais ainda como quem comunica com a raiva de ver prostrado quem devia, por dignidade própria, estar de pé; brada mais como quem acusa, do que como quem informa.
                Trata-se de um gesto ao jeito dos profetas antigos, que provoca uma viva discussão entre a multidão: uns dizem que é “o Profeta”, outros que é “o Messias”, outros que é um louco. A verdade é que o gesto é tão violento que precisa de uma explicação para não ser tomado como simples loucura. A explicação que S. João dá é que Jesus se referia ao Espírito Santo.
                Voltando ao tempo, o último dia da festa era o “Sétimo dia”, o dia da glorificação de Jesus e do dom pleno do Seu Espírito. Porque esse dia já ocorreu, nós hoje participamos já dessa água que é o Espírito Santo a agir em nós. De facto, tal como acontecera no episódio da samaritana, Jesus volta a tomar a sede física de água como símbolo da sede psicológica e espiritual da felicidade plena. Ele – Jesus – é a felicidade plena, quando nos deixamos irrigar pelo Seu Espírito!
                Por último, quem bebe de Jesus, pelo Seu Espírito, é livre diante dos homens e de Deus, porque vive mergulhado em Deus. Assume a sua inteira dignidade humana, respeitando aos homens e a Deus, mas de pé!
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