13 de março – 1º domingo da quaresma
Tentações de Jesus, tentações do Povo de Deus
Naquele tempo, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, a fim de ser tentado pelo Diabo. Jejuou quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome. O tentador aproximou-se e disse-lhe: «Se és Filho de Deus, diz a estas pedras que se transformem em pães». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus’». Então o Diabo conduziu-O à cidade santa, levou-O ao pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, lança-Te daqui abaixo, pois está escrito: ‘Deus mandará aos seus Anjos que te recebam nas suas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’». Respondeu-lhe Jesus: «Também está escrito: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’». De novo o Diabo O levou consigo a um monte muito alto, mostrou-Lhe todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-Lhe: «Tudo isto Te darei, se, prostrado, me adorares». Respondeu-lhe Jesus: «Vai-te, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo deixou-O e aproximaram-se os Anjos e serviram-n’O. (Mateus)
Só há três espécies de tentação:
– a de ser deus, em relação às coisas e aos outros;
– a de instrumentalizar Deus, obrigando-O a agir segundo os nossos critérios;
– a de trocar de deus, arranjando um ou vários deuses à nossa medida.
Todo o de pecado é cedência a uma destas três espécies de tentação.
A tentação de ser Deus dá-se no deserto, o lugar da santificação pessoal, da conversão, da penitência, da expiação dos pecados. O terrível desta tentação é que estamos tanto mais próximos de cair nela quanto mais próximos estamos da santidade! Jesus de Nazaré acabara de fazer um ciclo total de jejum (quarenta dias), quando a teve! De repente perdemos a noção de participação na comum fragilidade e indignidade humana (diante de Deus todos somos pecadores) e tornamo-nos juízes dos outros, acusadores, condenadores, senhores das coisas…
A tentação de instrumentalizar Deus dá-se no templo, o lugar do culto, do sacrifício (tornar sagrado), da oração, do louvor a Deus – ao único Deus verdadeiro. Aqui, não somos nós que nos erguemos ao estatuto de deuses, mas antes reduzimos Deus à nossa dimensão de criaturas, “entalando-O” na amizade que sabemos que nos tem, colocando-O ao serviço dos nossos interesses, obrigando-O a agir em nosso favor. O culto deixa de ser o reconhecimento de um Deus que nos ama como Pai, para se tornar um modo de obrigar Deus a mostrar-nos que é um Pai que nos ama, e que, portanto, sempre nos perdoa desde que lh’O peçamos cultualmente (por exemplo, ir à missa todos os Domingos) mesmo quando “praticamos a injustiça e a iniquidade” sem arrependimento. Repare: o Tentador, bom aprendiz da resposta de Jesus à primeira tentação!, vai tentar Jesus com… a Palavra de Deus! Pura instrumentalização de Deus.
A tentação de trocar de Deus, de adorar falsos deuses, dá-se no alto do monte, o lugar da revelação de Deus e da entrega de uma Lei por Deus ao povo, uma lei de felicidade, mas também de radicalidade de vida: ser santo como Deus é santo! Ora percebermos a verdade de Deus é percebermos também a nossa: que temos que descalçar as sandálias diante d’Ele, porque só Ele é santo. A tentação aqui, então, é esvaziarmos Deus da sua própria divindade, relativizando-O a outros valores. Biblicamente, aliás, os lugares altos não estão apenas ligados à Revelação/Lei de Deus, mas também à adoração dos deuses cananeus, isto é, à idolatria, o maior de todos os pecados contra a Lei de Deus! Caricaturalmente, podemos colocar esta tentação assim: se tu não és deus (1ª tentação) para resolver a tua vida à medida dos teus anseios, e se o verdadeiro Deus não faz a tua vontade (2ª tentação), então adora um deus que, mesmo sendo falso, tem a mais-valia de te resolver esse problema.
Todas estas tentações foram vividas pelo povo de Deus, e nelas caiu em pecado; Jesus assume toda a história do seu Povo, todas as tentações do seu povo, mas não cai no pecado. Nesta não cedência à tentação, a fé neo-testamentária vê uma re-dignificação do povo, da humanidade, diante de Deus, pelo próprio Deus na pessoa do Filho Jesus de Nazaré.
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