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15 de maio – 4º domingo da Páscoa

Nada de idílico

          «Em verdade, em verdade vos digo: Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador. Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. O porteiro abre-lhe a porta e as ovelhas conhecem a sua voz. Ele chama cada uma delas pelo seu nome e leva-as para fora. Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem, caminha à sua frente e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Se for um estranho, não o seguem, mas fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos». Jesus apresentou-lhes esta comparação, mas eles não compreenderam o que queria dizer. Jesus continuou: «Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas. Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem. O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância». (João)

   

          Neste Domingo do Bom Pastor, a primeira Leitura é ainda o discurso kerygmático que começámos a ler no domingo passado, com ênfase agora na parte exortatória destes discursos: apelo dos apóstolos aos judeus para que aceitem Jesus como o Messias esperado.

          Na segunda Leitura, Pedro ensaia uma resposta ao “sofrimento inocente”, a pedra de escândalo desde sempre para os que questionam a existência de um Deus bom, amor, pai…: “Como é que Deus pode ser bom e deixar os inocentes sofrer?”. A resposta de Pedro é aquela que ainda hoje permanece: isso aconteceu com o próprio Jesus, que não cometeu pecado algum, não mentiu, não injuriou, não ameaçou… Nós, os crentes, não temos outra resposta senão Jesus crucificado. No mistério do Seu sofrimento percebemos que há sentido no sofrimento, que há cura… Mas certamente não sabemos explicá-lo, nem temos facilidade em aceitá-lo… Apenas percebemos que o caminho do próprio Filho de Deus passou pelo sofrimento inocente, e sofrimento violentíssimo, e assim “curou” a humanidade do seu pecado…

          A imagem do Bom Pastor induz-nos a pensar nos “doces sermões” da Galileia, em que Jesus fala às multidões de si mesmo, usando a imagem – mais ou menos idílica – do pastor. Mas não é por aí que vai o Evangelho de hoje. Desde logo, a vida pastoril não tinha o que quer que fosse de idílico. Pelo contrário, os pastores eram vistos como gente de segunda, quase marginais, basicamente “impuros” por causa do contínuo contato com o sangue dos animais e de não cumprirem os rituais do Sábado; nem o episódio se situa na Galileia, mas em Jerusalém, já depois dos chefes religiosos terem pegado em pedras para apedrejarem Jesus no templo (Jo 8, 59); nem Jesus se dirige às multidões, mas a um pequeno grupo de fariseus que estão em conflito declarado com Ele por lhes ter chamado “cegos” (a propósito da cura do cego de nascença). De fato, este texto faz ainda parte do “sinal” do cego de nascença, é ainda uma resposta de Jesus aos fariseus que se recusam a ver a presença de Deus na ação de Jesus.

          Mas nesta resposta aos fariseus, Jesus estica a corda em dois sentidos: vai reivindicar a identidade messiânica e vai acusar os fariseus de serem indignos da posição de “chefias” que assumem.

          Na verdade, quer a imagem do pastor, quer a imagem da porta encontravam-se já no Antigo Testamento como referências messiânicas. Assim, as imagens (ou alegorias) do pastor e da porta não remetem para alguma qualidade específica de Jesus, nomeadamente a bondade ou  a “doçura”, mas, muito mais do que isso, são uma afirmação de que Jesus é o Messias esperado. Jesus, porém, introduz uma novidade nestas imagens: o pastor-messias não é dono das ovelhas, mas seu servidor, ao ponto de dar a vida por elas…

          Se este modo de ser pastor (dar a vida por aqueles que precisam de ser guiados) já seria uma forte acusação à mentalidade “purista” e excludente dos fariseus, a referência insistente aos ladrões é uma declarada acusação de Jesus a todos aqueles que se colocam como guias do povo, mas se mostram incapazes de ajudar quem está cego a ver…, antes se limitam a acusar quem está cego de ter nascido e permanecer em pecado…

            Destas discussões, alguns concluíram que Jesus estava possuído pelos demónios…; outros diziam: “como é que um demónio pode dar vista aos cegos?” (cfr Jo 10,  20-21). É ingrato o lugar dos bons pastores!

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