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16 de outubro – 29º domingo comum

Dupla prova de sabedoria

Os fariseus reuniram-se para deliberar sobre a maneira de surpreender Jesus no que dissesse. Enviaram-Lhe alguns dos seus discípulos, juntamente com os herodianos, e disseram-Lhe: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas. Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?» Jesus, conhecendo a sua malícia, respondeu: «Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?» Eles responderam: «De César». Disse-Lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus». (Mateus)

 

            Nos últimos domingos temos encontrado Jesus a ensinar em Jerusalém; vimos as parábolas dos dois filhos, dos vinhateiros homicidas, do banquete… Todas se dirigiam diretamente aos fariseus… Não espanta, pois, que os fariseus comecem a procurar um modo de se livrarem dele!

            E assim os encontramos hoje, reunidos aos herodianos, nesse intento.

            Os herodianos eram partidários de Herodes. Aceitavam e aproveitavam o mais que podiam do domínio romano. Tinham uma moral que, em termos modernos, poderíamos dizer hedonista (é bom o que dá prazer), utilitarista (é bom o que é útil) e relativista (o que é bom ou mau não existe em si mesmo, mas define-se conforme as situações); os fariseus, ao contrário, tinham uma moral rígida, legalista (bem ou mal é o que a lei define como tal, independentemente das situações), positiva (o bem e o mal existem em si mesmos), escrupulosa (cumprimento rigoroso – às vezes até por excesso – de tudo o que a lei manda). Evidentemente, estavam nos extremos do modo de compreender a vida, a fé, a pátria… Por exemplo, quanto aos impostos para César, os herodianos eram a favor; os fariseus contra (embora os pagassem coercitivamente). Ah!, e dividem-se quanto à própria matéria do imposto: as moedas romanas. De facto, as moedas têm uma imagem e uma inscrição de César! São um meio de divinização do imperador. Para os fariseus, isto é sacrílego; para os herodianos, é natural.

            Como se unem então estes dois partidos, tão opostos entre si, contra Jesus? Parece fora de dúvida que a estratégia é montada pelos fariseus (combinada em “reunião”). Pegam pela questão dos impostos, que é sempre a mais sensível para incendiar multidões, sobretudo quando se está sob domínio estrangeiro, e mais ainda numa sociedade teocrática que vê a sua cultura religiosa amarfanhada. Se Jesus disser que é legítimo pagar imposto a César, descredibiliza-se diante do povo, desde logo porque admite implicitamente o culto a César, além de mexer no bolso das pessoas; mas se Jesus disser que não é legítimo pagar, a pergunta deixa de provocar mossas. É então que os fariseus procuram como testemunhas pessoas que pensam exatamente o contrário, e com o poder coercitivo do seu lado, para pôr Jesus entre a espada e a parede: se diz que é lícito pagar impostos a César, descredibiliza-se diante de todo o povo; se diz que é ilícito, caem-lhe em cima os soldados de Herodes e Pilatos.

            A trama está montada; Mateus adensa a sacanice com um discurso de lisonja: “sabemos que és sincero, que ensinas a verdade de Deus, que o facto de nós sermos fariseus e herodianos para ti é indiferente, porque não fazes aceção de pessoas, e portanto vais responder-nos exatamente segundo o que pensas”.

            Jesus limita-se a recolocar a questão no seu núcleo religioso: se a imagem é de César, isto é, se é idolátrica, dê-se ao “deus” dela. E ao Deus verdadeiro, dos judeus, aquilo que é d’Ele. Evidentemente, nem os fariseus nem os herodianos podem contra-argumentar sem negarem as suas próprias crenças. Virou-se o feitiço contra o feiticeiro! Prova de sabedoria.

            Mas, objetivamente, com esta distinção entre Deus e César, Jesus aceita a legitimidade dos impostos, laicizando-os: a imagem de César nada tem a ver com Deus; é imagem da sociedade civil para governo da sociedade civil. A questão não é se é lícito pagar impostos, mas sim se a sua administração é justa, tanto na cobrança como na aplicação, independentemente da imagem desenhada na moeda ser um César ou uma cruz. Os fariseus e os herodianos, na sua malícia, proporcionaram a Jesus uma das maiores revoluções ideológicas da História, que vinte séculos depois muitos ainda não entenderam! O acontecimento e a frase só podem ter sido verdadeiros; é daquela sabedoria que seria simplesmente impossível fantasiar no séc. I da nossa era; só pode ter acontecido e o seu protagonista ter sido Jesus de Nazaré. Prova de sabedoria.

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