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23 de outubro – 30º domingo comum

 Quando a parte é maior do que o todo!

Os fariseus, ouvindo dizer que Jesus tinha feito calar os saduceus, reuniram-se em grupo, e um doutor da Lei perguntou a Jesus, para O experimentar: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?» Jesus respondeu: «‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas». (Mateus)

            Não resisto à tentação de evocar aqui uma história muitas vezes recontada por D. António Marcelino: numa certa paróquia, o pároco, muito velhinho, repetia insistentemente a mesma homilia todos os domingos, fosse qual fosse o texto do evangelho: “meus filhos – dizia ele – temos que fazer aquilo que Nosso Senhor nos manda: amarmo-nos uns aos outros”. E, no domingo seguinte, voltava com o mesmo sermão: “meus amigos, temos que fazer quilo que S. João nos lembra: amarmo-nos uns aos outros”. Esta monotonia discursiva acabou por suscitar alguma reação nos fiéis, tendo um grupo deles insistido junto do Bispo para que o pároco fosse mudado, pois pesem os bons serviços que tinha prestado à paróquia, já estava muito envelhecido, muito repetitivo. O Bispo acedeu, e assim, logo na 2ª semana do novo ano pastoral entrava um jovem padre a tomar posse como pároco da paróquia. E nesse mesmo domingo, na homília da tomada de posse, falou assim:” meus amigos, como tantas vezes dizia o meu predecessor, é preciso que nós obedeçamos ao Senhor Jesus que nos manda amar uns aos outros…”.

            Este amarmo-nos uns aos outros é efetivamente o núcleo de toda a Lei e de todos os Profetas; o resto pode dar homilias muito lindas, muito criativas, muito apreciadas e comentadas, mas não é o essencial.

            É verdade que o “amar os outros” é só o segundo mandamento, pois que o primeiro é amar a Deus com toda a inteligência, com todo o afecto, com toda a vontade e com todo o espírito…; mas, como lembrará S. João, se alguém não ama os outros – a quem vê – e diz que ama a Deus – que não vê – é mentiroso…

            Neste texto, os fariseus continuam a tentar “encurralar” Jesus, agora procurando embaraça-Lo, ou seja, pô-Lo publicamente a ridículo. De facto, a gente só se sente embaraçado quando há testemunhas… E o ridículo, como se sabe, é a pior das armas; quem cai no ridículo, mesmo que dê murros de cem quilos, como diria outro contador de histórias (Giovanni Guareschi), nunca mais volta a ter a respeitabilidade do povo. É disso que se trata: de retirar a Jesus a respeitabilidade do povo.

            Para isso, os fariseus escolhem um dos seus melhores, e tentam puxar Jesus para o confronto cognitivo à maneira rabínica, um confronto todo tecido de silogismos e subtilezas argumentativas, e onde provavelmente teriam imensas vantagens. O desnível entre o seu doutor da Lei (!) e o pregador itinerante da Galileia no conhecimento daquela matéria concreta – a Lei de Deus – aparece-lhes tão grande que só podem esperar “arrumá-lo duma vez”.

            Jesus, porém, não se deixa intimidar por grandezas terrenas, mesmo que sejam intelectuais e na esfera da Lei de Deus. Responde com o essencial do essencial, de modo que toda e qualquer questão que lhe seja feita depois se torne ela própria ridícula por ir ao acessório…, o que Jesus faz questão de deixar bem claro, dizendo que toda a Lei e os profetas já estão contidos na resposta que deu! Jesus ficou senhor da situação.

            Mas Jesus responde mais do que aquilo que lhe foi perguntado. Associa ao primeiro mandamento o 2º, ensinado os fariseus que não é possível desligar os irmãos de Deus, nem Deus dos irmãos. E ensina ainda outra coisa: que aqueles dois mandamentos – o de amar a Deus e o de amar o próximo “como a ti mesmo” – não são mandamentos da Lei ou de algum profeta, por mais profeta que seja, mas, ao contrário, é a Lei e são os profetas que dependem deles! A lei, será Lei de Deus se respeitar aqueles dois mandamentos; os profetas, serão Profetas de Deus se respeitarem aqueles dois mandamentos. Sempre Deus e o Irmão estarão acima de todas as leis e de todas as ideologias! Por isso, todos os sermões se resumem na curtíssima homilia daqueles dois padres: “como nos mandou Nosso Senhor Jesus Cristo, temos que nos amar uns aos outros”.

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