3 de abril – 4º domingo da quaresma
Obstinados nas trevas
Jesus encontrou no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: «Mestre, quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?» Jesus respondeu-lhes: «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus. É preciso trabalhar, enquanto é dia, nas obras d’Aquele que Me enviou. Vai chegar a noite, em que ninguém pode trabalhar. Enquanto Eu estou no mundo, sou a luz do mundo». Dito isto, cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego. Depois disse-lhe: «Vai lavar-te à piscina de Siloé»; Siloé quer dizer «Enviado». Ele foi, lavou-se e ficou a ver. Entretanto, perguntavam os vizinhos e os que antes o viam a mendigar: «Não é este o que costumava estar sentado a pedir esmola?» Uns diziam: «É ele». Outros afirmavam: «Não é. É parecido com ele». Mas ele próprio dizia: «Sou eu». Perguntaram-lhe então: «Como foi que se abriram os teus olhos?» Ele respondeu: «Esse homem, que se chama Jesus, fez um pouco de lodo, ungiu-me os olhos e disse-me: ‘Vai lavar-te à piscina de Siloé’. Eu fui, lavei-me e comecei a ver». Levaram aos fariseus o que tinha sido cego. Os judeus não quiseram acreditar que ele tinha sido cego e começara a ver. Chamaram então os pais dele e perguntaram-lhes: «É este o vosso filho? É verdade que nasceu cego? Como é que ele agora vê?» Os pais responderam: «Sabemos que este é o nosso filho e que nasceu cego; mas não sabemos como é que ele agora vê, nem sabemos quem lhe abriu os olhos. Ele já tem idade para responder; perguntai-lho vós». Foi por medo que eles deram esta resposta, porque os judeus tinham decidido expulsar da sinagoga quem reconhecesse que Jesus era o Messias. Os judeus chamaram outra vez o que tinha sido cego e disseram-lhe: «Dá glória a Deus. Nós sabemos que esse homem é pecador». Ele respondeu: «Se é pecador, não sei. O que sei é que eu era cego e agora vejo». Perguntaram-lhe então: «Que te fez Ele? Como te abriu os olhos?» O homem replicou: «Já vos disse e não destes ouvidos. Porque desejais ouvi-lo novamente? Também quereis fazer-vos seus discípulos?» Então insultaram-no e disseram-lhe: «Tu é que és seu discípulo; nós somos discípulos de Moisés. Nós sabemos que Deus falou a Moisés; mas este, nem sabemos de onde é».
João compõe o seu evangelho sobre alguns milagres (“sinais”), trabalhados pelo evangelista para fazer ressaltar alguma verdade sobre Jesus. No evangelho de hoje temos o sinal da cura do cego de nascença, que João utiliza para dizer que Jesus é a luz da humanidade. Ressoa neste sinal uma das ideias centrais de João, tanto no evangelho, como nas cartas: “a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo para salvar os homens e os homens preferiram as trevas à luz”.
João usa recorrentemente dualidades antagónicas: luz-trevas; graça-pecado; vida-morte; condenação-salvação. No seu universo configuram-se dois mundos: o dos homens e o de Deus. São mundos que parecem intocáveis, paralelos e antagónicos, mas que – por iniciativa de Deus – de fato se encontram, se tocam eterna e indestrutivelmente, numa pessoa: Jesus de Nazaré, verdadeiro homem e verdadeiro Deus.
A recusa de Deus (da luz) não é universal. O cego, por exemplo, acolheu a luz. Os pais ficaram a meio caminho, tolhidos pelo medo. Os chefes recusam-se a acolher a luz… em nome do próprio Deus. João sempre sublinhará que vai um grande salto entre o mundo dos poderosos e o mundo dos humildes. Jesus não foi recusado pelos seus concidadãos, globalmente gente humilde e que mal sobrevivia com o suor do seu trabalho, mas pelos chefes religiosos e políticos.
Os chefes tinham posto Deus ao seu serviço (2.ª tentação de Jesus, em Mateus), tinham feito de Deus um instrumento para justificar a história, a vida tal como a conheciam, as suas crenças, os seus privilégios, as suas decisões. A cegueira (trevas) dos chefes não se limita à sua recusa do acolhimento da luz, mas estende-se ao medo que infundem em quem poderia abrir-se à luz. Infundem o medo em nome de Deus!
Faz parte da mais pura teologia: se entre a tua fé e a razão houver um conflito, é a tua fé que está errada! O erro dos chefes religiosos foi o de não terem percebido isso. A lógica do cego é a lógica das evidências: “de teorias de santidade – argumenta o cego – não sei; mas sei uma coisa: que era cego e agora vejo. E sei outra coisa: que foi Jesus quem me abriu os olhos”. Mas os chefes religiosos preferem fazer valer as suas crenças contra todas as evidências. Chega a ser dramático: os grandes estudiosos da luz de Deus, vivem obstinados nas trevas, mesmo enquanto é dia e a luz brilha tão intensamente…
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