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Serviços Paroquiais de Ação Social para uma Cultura da Dádiva

 

CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA

Comissão Episcopal da Pastoral Social

Secretariado Nacional da Pastoral Social


Serviços paroquiais de acção social para uma cultura da dádiva

Indicações práticas


Assumir o estilo do mandamento novo, com o olhar penetrante da fé sobre as actuais situações de desumanidade, exige determinação para rasgar caminhos de sólida esperança.

A acção social da Igreja desdobra-se em fecundo trabalho, seja de instituições e grupos, seja de actividades individuais de cristãos, realizadas nas relações familiares e na rede de proximidade.

A grave crise social, que nos atinge, constitui um forte apelo: a examinar e rever os modelos de resposta às dificuldades, a introduzir ajustamentos e a proceder ao incremento de Serviços de Acção Social em todas as comunidades cristãs. Assim se cumprirá a orientação da Instrução Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa de 1997[i].

A par de uma inúmera quantidade de acções já em curso, importa: reflectir sobre o tratamento mais adequado para enfrentar os problemas, conhecidos através do registo de dados; dar resposta pronta à verdadeira realidade observada atempadamente; desenhar acções de desenvolvimento local, capazes de encontrar soluções consistentes; unir esforços para uma intervenção sistemática junto dos centros de decisão, sempre a começar do mais próximo para o central.

Em ordem a conceder maior eficácia e a permitir exigente credibilidade à acção social da Igreja, estas medidas obteriam a cobertura de todo o território e forneceriam dados objectivos para avaliar com fundamento, o já realizado e formular propostas inovadoras.

Com estas orientações não visamos o diagnóstico da acção desenvolvida pela Igreja, nem o fundamentação teológica da acção social na paróquia, mas tão só estimular a congregação de esforços e motivar à acção todas as comunidades, dispostas para a melhoria dos seus serviços.

 

1. A acção social, dimensão profunda e estrutural da comunidade eclesial

A acção social, no espírito da caridade cristã, pertence à natureza e exprime irrenuncialvelmente a própria essência da Igreja (Cf. Deus Caritas est, n. 22), como sacramento do amor de Deus e da fraternidade humana. Participar da beleza e radicalidade do amor trinitário é caminho de conversão interior e inspiração para um modo concreto de estar no mundo e na história, sem ser mundano. Os cristãos estão conscientes de que o serviço fraterno constitui, ao lado do anúncio do Evangelho e da celebração da fé, uma dimensão fundamental da vivência em Cristo, sob acção do Espírito criador e radicada em Deus, Pai misericordioso. Aliás a Eucaristia e a escuta da Palavra de Deus são fonte da verdadeira caridade. Ao longo dos tempos, foi multiforme a criatividade de homens e mulheres, sob impulso do Evangelho, para pôr em acto o mandato do amor e seguir os critérios de fraternidade, seja pela voz profética seja pelas variadas iniciativas, em favor dos mais pobres e desamparados.

A actual situação económica e social reaviva a sensibilidade cristã e abana as consciências para serem expressão coerente do amor salvífico de Deus pela humanidade. A gravíssima crise conduz as comunidades cristãs a purificar a sua missão de testemunho do Evangelho como salvação para a sociedade, como abertura às interpelações de serviço fraterno, nos diferentes níveis de realização.

A organização da pastoral sócio-caritativa, como expressão da fé, situa-se no cerne da procura do seguimento fiel do Evangelho. Jesus viveu inseparavelmente para Deus, seu Pai, e para os outros, seus irmãos, em doação radical até ao fim (Jo 13,1ss).

Qualquer que seja a situação em que os irmãos se encontrem, importa, através do nosso agir crente, pessoal e eclesial, ser sinais de que Deus ama e está perto de cada pessoa.

De facto, o amor do próximo é uma mediação imprescindível do verdadeiro amor a Deus e o amor a Deus é o fundamento profundo e duradouro do amor aos irmãos (cf. DCE, 16,18). Como sintetiza Bento XVI: “Só o serviço ao próximo é que abre os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo como Ele me ama” (DCE 18).

Uma vida existencialmente aberta ao dom da salvação de Deus passa pelo acolhimento interpelante, nas circunstâncias concretas, dos rostos de homens e mulheres necessitados (Mt 25, 31-46). O serviço da pastoral da caridade torna-se verdadeiro caminho de salvação que se aproxima das pessoas nas diversas situações de carência, preferindo os mais pobres e marginalizados.

O Deus vivo, que a acção social das comunidades anuncia como fundamento e sentido da esperança definitiva da sua vida, impele cada crente a ser sinal do seu Mistério de amor salvador. Cada cristão e a comunidade ao serem activos no amor solidário, à luz de Deus, são fiéis á sua vocação humana, que se realiza na doação ao outro. Deste modo se evidencia como a mensagem evangélica é proposta para uma maior plenitude humana de vida.

O desequilíbrio de atenção pastoral das comunidades eclesiais, muito concentradas no culto, necessita de valorização quer do anúncio evangelizador, quer da caridade organizada. A fé cristã, não limitada ao sector religioso, nem vivida de modo individualista, coloca a diaconia/caridade no coração da identidade eclesial, como recordou o Papa Bento XVI (Cf. DCE 20).

A comunidade cristã para ser fiel à sua identidade e missão procurará viver a estruturar-se de forma a manter viva a diaconia, ao lado do anúncio e da celebração. Ainda que na diversidade de carismas, serviços e ministérios, alguns exerçam mais directamente a responsabilidade pelo serviço fraterno, essa é uma dimensão e tarefa de toda a comunidade, obrigatoriamente presente nas iniciativas, preocupações, oração e em qualquer expressão comunitária eclesial.

Evitando reduzir a acção social à atitude voluntariosa da caridade, esta dimensão pastoral tem de estar organizada a nível comunitário global, de modo a ser acção constante, harmónica e persistente a todos os níveis. Os cristãos mais directamente implicados interpretem e interpelem o conjunto da comunidade e responsabilizem todos por uma progressiva consciência e pela busca de respostas para as verdadeiras necessidades das pessoas.

A acção social da Igreja visa a totalidade do ser humano, nas suas diversas dimensões, na plenitude de direitos e deveres, no respeito absoluto pela dignidade da pessoa humana. Essa prioridade exige incondicional atenção e torna-se critério essencial e horizonte permanente para discernir o que se pode e deve fazer, como se pode e deve agir, até onde se pode e deve ir. Essa atitude constitui o espírito próprio da acção social cristã, na visão integral da dignidade humana inviolável, agindo com gradualidade e impulsionando cada pessoa a caminhar por si, indo muito além do puro assistencialismo. A acção social da comunidade cristã cumpre e transcende a justiça e concretiza caminhos para ajudar a plena humanização das pessoas.

 

2. Objectivos basilares e princípios operacionais

Inspiradas no amor criador e misericordioso de Deus, encarnado em Cristo servo e bom samaritano, e baseadas na Doutrina Social da Igreja (DSI), as pessoas e as instituições cristãs actuam no campo social. O Papa Bento XVI tem sublinhado quanto os valores da verdade, liberdade, justiça e caridade se devem conjugar para uma intervenção pastoral tradutora da concreta caridade política.

A acção social da Igreja tem como objectivos essenciais:

a) Serviço directo às pessoas: pobres, doentes, presas, com deficiência, sós ou desintegradas, crianças ou velhos, migrantes ou ciganos;

b) Intervenção na humanização das estruturas socio-económicas, políticas e culturais, seguindo os princípios da dignidade transcendente da pessoa humana: bem comum, destino universal dos bens, subsidariedade, participação e solidariedade.

c) Participação em processos de desenvolvimento, segundo modelo pautado pela lógica do dom, com dinamização dos cidadãos e em parceria com outras entidades.

Conhecendo a tendência da grande parte das instituições de acção social existentes para atender ao primeiro objectivo de serviço às populações, deseja-se uma organicidade que não separe as dimensões ou níveis de intervenção, porque a articulação entre problemas, causas e propostas traria enorme benefício aos vários agentes sociais.

Expostos os objectivos, decorrentes dos fundamentos defendidos pela Doutrina Social da Igreja, passemos agora às orientações operacionais, em quatro dimensões:

1. Proximidade. Inspirado na parábola do Bom Samaritano, o cristão assume um “coração que vê” e aproxima-se de cada pessoa necessitada de ajuda imediata, coopera com ela na busca de soluções, partilha os bens, entrega-se pessoalmente e implica-se na resolução final do problema. Esta atitude convoca a alargar horizontes e conduz à atitude operativa seguinte.

2. Universalidade. Nascida do mandamento novo do amor, vive-se na catolicidade da Igreja a atenção global às situações, o conhecimento atento dos problemas em qualquer latitude ou longitude. O conceito de próximo não se circunscreve a fronteiras e a visão orante inclui todas as pessoas e abre-se a qualquer ser humano.

3. Radicalidade. O modo de actuar dos cristãos para enfrentar todos os problemas passa por ir às raízes, ou seja às causas das diversas situações. A proximidade sem exclusão é levada às últimas consequências. O contributo dos cristãos para uma leitura profunda dos males far-se-á presente em estruturas mais justas, transparentes, equitativas, livres e exigentes.

4. Gradualidade. Esta atitude realista dá azo a que os princípios ideais não esmoreçam perante situações brutais. A capacidade para adequar as excelentes soluções às possibilidades existentes, sem renunciar às etapas que abram caminho a novo futuro, é fundamental, no terreno difícil e desgastante da acção social.

 

3. Orientações estratégicas

Atendendo à missão da Igreja e à hora presente, recomendam-se as seguintes orientações estratégicas:

1. Dar prioridade ao imperativo fundamental: a criação, funcionamento e qualificação de um serviço paroquial de acção social, integrado por voluntários e voluntárias, bem como por representantes de instituições já existentes. Só através destes serviços se atenderá à capilar proximidade, de teor evangélico, sem qualquer exclusão. Quando existirem grupos de acção social animados por diversas organizações deve evitar-se duplicação e importa salvaguardar a especificidade de cada comunidade. Algumas comunidades terão vários grupos, dada a sua extensão, outras reunirão num só grupo diversas paróquias de pequena dimensão.

2. Fundamentar a acção social numa consciência esclarecida dos problemas, analisados à luz da DSI. Para uma análise objectiva e verdadeira é indispensável seja tratar estatisticamente os dados do atendimento social, seja reflectir e estudar a DSI, de modo a suscitar actuações adequadas.

3. Ter em conta que não compete ao grupo de acção social ou à Cáritas a posse ou gestão de equipamentos sociais, pois com vocação para essa tarefa existem Centros Sociais Paroquiais e Misericórdias, obras de Institutos religiosos, entre outras. Respeitando, contudo, a continuidade de situações já criadas, a Cáritas cooperará com os equipamentos existentes. Tenderá, porém, para estar disponível para o atendimento de pessoas necessitadas e para a busca persistente de soluções.

4. Intervir, de modo sólido, quer junto dos centros de decisão política para requerer resoluções e formular propostas inovadoras, quer junto da opinião pública, mantendo posição de alerta, baseada na visão cristã das situações. A Cáritas conjugará a sua acção com a Comissão Nacional Justiça e Paz na procura de entendimentos, avaliação de perspectivas e mútua informação.

5. Proporcionar sempre as ajudas possíveis às pessoas necessitadas, de modo personalizado e visando resposta global e estruturada.

6. Participar activamente em processos de desenvolvimento local que se desencadeiem no espaço conjunto de autarquias, instituições de solidariedade social, estabelecimentos de ensino aos diferentes níveis e outras forças vivas presentes no terreno.

 

4. Aspectos organizativos: o Serviço Paroquial de Acção social

Em cada paróquia, atendendo à sua história e situação geográfica, urbana ou rural, de débil ou sólida coesão, de pendor tradicional ou de laços ténues, se deve desenhar um perfil adaptado às circunstâncias para o serviço que coordene e anime a acção social no âmbito territorial correspondente.

Ao Serviço Paroquial de Acção Social, compete levar por diante as finalidades já apresentadas na Instrução Pastoral de 1997:

– “suscitar e fazer crescer, na paróquia, a dimensão social como exigência da vida da própria comunidade cristã;

– assegurar o conhecimento e a atendimento dos problemas sócio-familiares da paróquia, sem qualquer discriminação;

– articular as actividades das instituições e grupos de acção social da paróquia”[ii].

A existência deste Serviço Paroquial procederá à animação e coordenação das iniciativas individuais ou ao incentivo de grupos necessários, segundo a realidade verificada.

Ao referido serviço preside normalmente o Pároco. Este pode delegar em Diácono Permanente ou leigo, quando tiverem preparação própria. O grupo integra representantes das instituições e grupos. Recomenda-se que através da presença de representantes de zonas territoriais da paróquia se assegure uma cobertura, sem lacunas, de todas as pessoas necessitadas.

O Serviço Paroquial de Acção Social congregará, em cada comunidade as pessoas mais aptas e competentes para, com adaptação às circunstâncias, corresponder às seguintes tarefas:

1. Animar a acção social na paróquia;

2. Recolher com discrição e precisão dados sobre a realidade quer no atendimento social, através de folhas de apuramento estatístico, quer em entrevistas formais ou informais, de visitas ao domicílio ou outras modalidades de contacto directo;

3. Cooperar na procura de soluções para os problemas das pessoas que a paróquia acompanha, com as várias diligências necessárias, envolvendo outras entidades públicas e privadas e socorrendo-se de saberes técnicos, seja de diagnóstico, seja legislativo;

4. Participar nos processos de desenvolvimento social local, criando comunhão entre os grupos socialmente desfavorecidos, acompanhando a promoção das famílias;

5. Avaliar periodicamente a acção do grupo, os resultados conseguidos, os limites verificados e ajustar os planos e os recursos a novas perspectivas;

6. Reflectir sobre os casos e problemas sociais e, se necessário, sugerir medidas políticas;

7. Formar os agentes da pastoral social, incluindo os voluntários, em ordem a desempenharem com qualificação evangélica e abertura profissional, as suas funções humanitárias. Deverá atender-se, no plano de formação, aos seguintes elementos:

a) Aquisição de conhecimentos aplicados seja da Doutrina social da Igreja seja do papel do laicado na Igreja e na sociedade;

b) Sensibilização para o entendimento das doutrinas económicas e sociais e das ideologias subjacentes;

c) Análise da experiência vivida, debate das dificuldades e estudo de soluções, a partir do dia-a-dia pessoal e do trabalho em comum;

d) Realização de cursos de curta duração para colmatar lacunas verificadas no decurso das acções, bem como o incremento do estudo e de leituras pessoais.

Este serviço pode ser assegurado por um Grupo Cáritas Paroquial. As Cáritas Diocesanas têm manifestado há decénios a sua disponibilidade para apoiar a criação, funcionamento e desenvolvimento qualificado de grupos paroquiais. Aliás tal disponibilidade está em perfeita conformidade com a identidade e missão da Cáritas, segundo a Conferência Episcopal Portuguesa.[iii]

 

5. Papel do Grupo Cáritas Paroquial

Seguindo a orientação acabada de referir, reconhece-se a vantagem de fazer do Grupo Cáritas Paroquial o serviço comunitário de acção social, em articulação com a Cáritas diocesana, conforme é já praticado positivamente em várias dioceses.

A missão da Cáritas a nível internacional, nacional e diocesano, como instituição da Igreja, estreitamente unida, respectivamente à Sé Apostólica, à Conferência Episcopal e a cada Bispo, pode definir-se em três componentes principais:

– a prestação de ajuda em situações de grave carência ou catástrofe, visando o bem-estar de cada pessoa;

– a animação e formação para qualificar as intervenções dos agentes da Cáritas;

– a participação em processos de desenvolvimento, segundo modelo da DSI, ainda recentemente actualizado na Caritas in veritate.

A designação Cáritas não impede a participação nestes grupos de membros das conferências da Sociedade de S. Vicente de Paulo e de outros grupos activos da comunidade paroquial. O carácter oficial da Cáritas não colide, antes integra e valoriza a participação de pessoas de diversa inspiração espiritual e com metodologias específicas de actuação social.

Prosseguindo a especificidade interna dos diversos grupos, com a própria espiritualidade, tratamento de dados, elaboração de relatórios, é urgente congregarem-se, se necessário por acordos formais, em ordem a actividades operadas em comum, destinadas a servir a causa dos mais desfavorecidos: acolhimento, prestação de serviços, animação e dinamização da comunidade. Desenvolvendo estas três dimensões:

– O acolhimento directo das pessoas em situação de carência, cooperando com elas na consciência plena dos problemas, na procura de soluções e no perfil do seu projecto de vida, de modo a conseguir acompanhar cada caso social até à respectiva solução;

– a prestação de serviços traduz-se em bens materiais ou imateriais, concedendo elevada prioridade à satisfação de necessidades básicas e diligenciando para que as pessoas apoiadas se libertem, logo que possível, da ajuda sem criar dependência, mas promovendo autonomia.

– a animação assume natureza sobretudo promocional, procurando respostas para os problemas abrangidos, interagindo com as pessoas próximas, mediando junto de outras entidades e incentivando uma co-responsabilidade social de decisivo e largo alcance.

 

Conclusão

Estas orientações pastorais destinadas a incentivar e a oferecer desenho concreto de respostas com dimensão local para os enormes problemas sociais com que nos deparamos, encontrem, segundo as decisões do Bispo diocesano, em cada comunidade paroquial, agentes dispostos a dar carne à ordem de Jesus: “como Eu vos fiz, fazei vós também”. A criatividade do amor aplicará, em cada circunstância, os apelos do Mestre. Quebrar rotinas, afastar obstáculos, envolver novos elementos, convocar as comunidades à volta de vias simples e eficazes do bem será serviço à cultura da dádiva.

Fátima, Festa da exaltação de Santa Cruz, 14 de Setembro de 2011



[i] Instrução Pastoral sobre a acção social da Igreja (23-11-1997). In CEP – Documentos pastorais. Vol. 5 : 1996-2001. Lisboa: Secretariado Geral da CEP, 2002.

[ii] CEP – Instrução Pastoral sobre a acção social da Igreja (23-11-1997). In CEP – Documentos pastorais. Vol. 5 : 1996-2001. Lisboa: Secretariado Geral da CEP, 2002. n. 32, p. 111.

[iii] Cf. CEP – Nota pastoral Toda a prioridade às crianças. Lisboa 2008., n.6.

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