26 de fevereiro – 1º domingo da quaresma
Impelido pelo Espírito e pela História
O Espírito Santo impeliu Jesus para o deserto. Jesus esteve no deserto quarenta dias e era tentado por Satanás. Vivia com os animais selvagens e os Anjos serviam-n’O. Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a pregar o Evangelho, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho». (Marcos)
Com a entrada da Quaresma, deixamos a leitura continuada do evangelho de Marcos, onde deixámos Jesus a receber os primeiros sinais de rejeição, na sua própria casa, em Cafarnaum. A Quaresma vai conduzir-nos diretamente ao desfecho dessa rejeição: a paixão e morte na cruz, em Jerusalém.
Entretanto, a Quaresma não é só um tempo de reflexão sobre “a sorte” de Jesus, mas também um convite à nossa conversão de vida, a darmos à nossa vida a versão da vida de Jesus. É esse o grande mote, a grande pregação, o grande desafio de Jesus àqueles galileus seus contemporâneos, ao começar a sua vida de pregador itinerante: “Arrependei-vos e acreditai no Evangelho”. Ou seja: deixai, abandonai, recusai o estilo e critérios de vida que vindes seguindo, e moldai a vossa vida à feliz notícia de que Deus vos ama e vos salva, com a garantia da sua própria força divina. Chega de fugir d’Ele, ou de O instrumentalizar, ou de O adular! Acabou esse tempo! Este é um tempo novo! É o tempo de aceitarmos a salvação que Ele nos dá gratuitamente, amorosamente! Este é o tempo de aceitarmos ser Seus filhos! Ele está próximo de nós! Ele ama-nos!
E, em última instância, é esta exigência de conversão de vida, este grito por mudança de vida, que vai levar os contemporâneos de Jesus a recusá-Lo e a darem-Lhe morte de cruz. Na verdade, quando reclamamos que alguém mude de vida, estamos subtilmente a denunciar que a vida que leva não é tão digna quanto poderia ou deveria ser. O anúncio – se verdadeiro – é também, sempre, denúncia. Ganha, por isso, relevo aquela referência à prisão de João Batista. O motivo que leva João Batista à prisão é também essa denúncia de um estilo de vida que não corresponde à vontade de Deus.
Por esta referência à prisão de João Batista, percebemos ainda que Jesus não prega um Evangelho desencarnado. Ele não denúncia a partir do nada ou de uma passageira utopia da juventude. Ele anuncia e denuncia a partir da experiência percebida em João Batista. Ele sabe que está a começar um trilho perigoso, um trilho de perseguição, um trilho de morte. Fugindo embora do deserto, onde estalou a perseguição aos batistas, Jesus não foge da verdade; e se as pessoas já não vão ao deserto, vai Ele até às pessoas. Se foi impelido para o deserto pelo Espírito Santo, é agora impelido para o meio do povo pela História. Mas vem carregado pela total experiência da fidelidade ao Pai contra todas as tentações de Satanás; vem carregado da experiência da fragilidade humana; vem carregado da experiência de comunhão e fraternidade com todos os seres vivos; vem alimentado pelo pão dos anjos – o cumprimento da vontade de Deus: “o meu Alimento é fazer a vontade daquele que Me enviou e consumar a Sua obra” (Jo 4, 34).
É todo esse entusiasmo daquele jovem-adulto galileu chamado Jesus, toda essa convicção, toda essa vida apostada numa única causa – a que chama “Reino de Deus” – que Marcos nos transmite no Evangelho de hoje. Mas, ao mesmo tempo, também toda a Sua consciência de perigo, perseguição e morte.
Em Marcos, o relato das tentações é extremamente breve. Ao contrário de Lucas e de Mateus, Marcos não se interessa pela matéria da tentação, mas pela realidade em si mesma: Jesus, o Filho de Deus, foi tentado! Mas a matéria da tentação está lá, lida mais uma vez na referência à prisão de João Batista: foi tentado… a ir por outro caminho, que não aquele do anúncio/denúncia que leva à morte!; foi tentado a ir por um caminho diferente daquele de João Batista.
Por último, os 40 dias do deserto evocam os 40 anos de deserto, no Sinai, do povo da Antiga Aliança. Aí, o povo cedeu à tentação, falou contra o seu Deus e adorou falsos deuses; mas Jesus não cedeu. Por Ele, por Jesus de Nazaré, Deus faz uma nova Aliança com os homens e os homens retomam a dignidade de serem os amigos de Deus.
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