22 de junho – Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus
O Pão da Palavra que sai da boca de Deus
Moisés falou ao povo, dizendo: «Recorda-te de todo o caminho que o Senhor teu Deus te fez percorrer durante quarenta anos no deserto […]. Atribulou-te e fez-te passar fome, mas deu-te a comer o maná que não conhecias nem teus pais haviam conhecido, para te fazer compreender que o homem não vive só de pão, mas de toda a palavra que sai da boca do Senhor. (Deuteronómio)
Disse-lhes Jesus: «Eu sou o pão vivo descido do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei de dar é a minha Carne que Eu darei pela vida do mundo». […] Quem come a minha Carne e bebe o meu Sangue tem a vida eterna; e Eu o ressuscitarei no último dia. […] Este é o pão que desceu do Céu; não é como aquele que os vossos pais comeram, e morreram; quem comer deste pão viverá eternamente». (João)
O evangelista S. João organiza os seus materiais por estruturas. Gosta, por exemplo, de pegar numa grande estrutura temática, depois meter outras mais pequenas dentro dessa e outras mais pequenas ainda dentro das segundas… Além disso, tem o cuidado de sinalizar a mudança de estruturas, dando-nos referências temporais, espaciais, ou outras, referências que são a maior parte das vezes mais teológicas do que cronológicas ou locais; referências que são “chaves de leitura” a indicar-nos como deve ser lido o texto… Por isso, quando pegamos num texto dele, devemos sempre tentar perceber qual é a estrutura em que se insere, e que chaves de leitura nos são dadas.
Assim, o evangelho de hoje situa-se no contexto do milagre da multiplicação dos pães e mostra-nos Jesus como o Pão da Vida. E a chave dada por S. João é esta: “estava próxima a páscoa dos judeus”. Com esta expressão, João dá-nos a informação prévia de que nesta grande estrutura vai falar da Páscoa, melhor, de algo que antecedeu a páscoa dos judeus, de modo muito próximo… Se juntarmos a esta proximidade da páscoa o contexto do milagre dos pães, percebemos que é da Eucaristia que ele está a falar. Esta certeza é reforçada com a referência – a encerrar toda a estrutura – a Judas Iscariotes, “que viria a entregá-lo”. Como sabemos, Judas Iscariotes saiu para entregar Jesus exatamente no decorrer da Última Ceia.
Mas mais ainda: toda esta estrutura do “Pão da Vida” se insere dentro de outra estrutura maior, que é a das polémicas com os chefes judaicos sobre a identidade messiânica de Jesus de Nazaré. Jesus, na visão de João, afirma-se o Messias. Os chefes judaicos são incapazes de aceitar esta reivindicação, mas sentem-se confusos diante dos “sinais” dados por Jesus e da sedução que a pessoa dele provoca no povo. Conjugando as duas coisas (o “Pão”, do milagre da multiplicação dos pães, e a “reivindicação” que Jesus faz de ser o Messias), os chefes judaicos pedem-lhe um sinal concreto, um sinal que replique o sinal do maná (1ª Leitura) com que o primeiro Libertador, Moisés, alimentara o povo no deserto. Além disso era crença na época que o Messias quando viesse faria prodígios semelhantes aos de Moisés. Portanto…, que outro sinal deveria dar Jesus senão o do maná?!
Jesus argumenta doutra maneira: não foi Moisés quem deu o maná no deserto, mas sim Deus. E tal como Deus deu esse maná através de Moisés, agora dá, através dele próprio, Jesus, o alimento que é vida em plenitude para o homem que d’Ele se alimenta. Ou seja, Jesus reivindica ser mais do que Moisés, que deu o maná que alimenta apenas o corpo, porque ele dá o alimento de toda a palavra que sai da boca do Senhor, absolutamente necessário ao homem segundo o testemunho do próprio Moisés (1ª Leitura). É neste ponto que cola o evangelho da missa de hoje: Jesus é a resposta plena àquilo que Moisés apenas antevira como necessário…
Mas não esqueçamos que estamos a falar da Eucaristia. S. João, que tem dois relatos justapostos da Última Ceia, curiosamente não narra a bênção do pão e do vinho nessa Ceia, mas faz anteceder esse sinal do “Pão” para o contexto desta discussão com os judeus. Ou seja: a Eucaristia é, de algum modo, mais do que a memória dessa Ceia. É a presença de toda a vida de Jesus, todo o seu corpo e todo o seu sangue, dado ao longo de toda a sua vida como o novo Maná-Palavra que sai da boca de Deus, e que é para nós o pão da vida plena e eterna.
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