9 de fevereiro – 5º domingo comum
Uma relação equilibrada com o mundo
Jesus disse aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Mas se ele perder a força, com que há de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus». (Mateus)
No seu evangelho, Mateus começa por colocar logo no início da vida pública de Jesus, e depois do chamamento dos primeiros discípulos, um grande sermão de Jesus, no qual resume aquilo que nós poderíamos chamar a mundividência de Jesus, o modo como Jesus entende a vida, os homens, as relações fraternas, a religião, as relações com Deus. Esse discurso começa com as Bem-aventuranças (que este ano não lemos, porque era o evangelho da semana passada e foi substituído pela festa da Apresentação de Jesus no templo). Logo a seguir às Bem-aventuranças, Mateus coloca o texto que lemos hoje.
A última das bem-aventuranças dirigia-se especificamente aos discípulos: “Felizes sereis quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa”. O texto do evangelho de hoje complementa essa bem-aventurança dos discípulos (isto é, da Igreja) com o papel que Jesus antevê para esse pequeno grupo nascente. E aquilo que Jesus prevê e espera dos seus discípulos é que eles sejam sal da terra e luz do mundo. Com estas duas imagens, o cristianismo nasce como uma religião diferente de todas as outras grandes religiões no que respeita à sua relação com o mundo.
Os dois grandes modos de relacionamento das religiões com o mundo são o de domínio e o de marginalização. Algumas grandes religiões, como o islamismo, induísmo e o próprio judaísmo são religiões que querem dominar o mundo, que querem impor ao mundo a sua visão, as suas leis morais, os seus preceitos religiosos. Outras, como o budismo, têm uma relação de marginalização, de se afastarem o mais possível do mundo. Para estas, religião e mundo são coisas que não se tocam; o grande ideal religioso é conseguir libertar-se completamente do mundo.
Para sermos sinceros, havemos de reconhecer que o cristianismo sempre foi atravessado pela tentação de cair numa destas duas tendências. Mas o evangelho de hoje recusa as duas, e pede aos cristãos uma relação equilibrada com o mundo, que por um lado respeite “a legítima autonomia das realidades temporais” e que, por outro lado, seja sinal para o mundo da salvação universal oferecida por Deus em Jesus de Nazaré.
Estas imagens de sal e luz conseguem transmitir esse equilíbrio porque, por um lado, são extremamente fortes, e por outro lado, são extremamente fracas. São extremamente fracas porque obrigam a renunciar a toda e qualquer veleidade de converter o mundo à força, de obrigar o mundo a ser santo. Não temos outro poder sobre o mundo senão o de fazermos, nós próprios, boas obras. O cristianismo será sempre uma religião que, na sua relação com o mundo, respeita intransigentemente a autonomia das realidades temporais, reconhecendo que o mesmo Deus que governa a Igreja é, Ele próprio, o mesmíssimo Senhor de toda a História. Certamente gostamos da comida com sal; mas o sal é tempero, não comida em si mesmo! Certamente gostamos de uma rua bem iluminada à noite; mas isso não que dizer que a incendiemos!
Mas as imagens são também muito fortes. A imagem do sal é muito antiga (e está presente em diversos passos do Antigo Testamento). Ao sal estão associadas duas funções principais: a de conservar os alimentos com boa qualidade e a de dar bom sabor à comida, ou melhor, um sabor equilibrado para o paladar: nem demais, nem de menos. Mas Jesus recorre à imagem do sal não tanto para evidenciar estas duas funções, mas para evidenciar que só é possível exercê-las se o sal não estiver ele próprio estragado, ou seja, se os cristãos viverem uma vida íntegra, não corrompida, não corrupta. E uma vida de amor, de caridade, cujas obras são de tal modo clarividentes por si mesmas que levam os outros ao espanto e à bênção.
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