Recaídas – Testemunho
Recaídas – Testemunho
“Diz-se que é mau não se ver uma luz ao fundo do túnel, mas mau, mau mesmo é nem sequer haver túnel, ou seja: uma sensação de não haver caminho, de um deambular sem objetivo, de sermos peões numa mole humana que nos empurra, nos puxa e nos faz rodopiar de encontrão em encontrão e vamos somando, hematomas, feridas e luxações para as quais já não há pomadas ou ligaduras que minorem as cicatrizes…
Aos cinquenta deveríamos estar pacificados, seguros de uma vida que escolhemos viver e, até certo ponto vivemos, mas ao invés disso instala-se o vazio e os ecos do silêncio, achamos que já perdemos tudo aquilo por que lutámos com sobriedade, achamos que já não temos préstimo à força de tanto sermos preteridos; é então que o desalento se instala e, já completamente abandonados pela vida, desejamos abandoná-la fisicamente também, não sentir, não pensar mais pois tudo nos dói.
Temos vergonha ao fazê-lo, vergonha perante os outros, mas sobretudo perante nós mesmos e, apesar de nos apercebermos de que não conseguiremos excluir-nos de nós próprios, é isso que buscamos em cada falta de lucidez, em cada ausência de emoções.
Nesta idade e depois deste percurso, a maturidade insiste em tornar-nos pragmáticos e é uma luta mais constante, mais dorida do que antes. Agora sabemos mais e melhor, sentimos com maior intensidade a crueza das consequências e apesar disso – ou talvez por isso – o desejo de desistir é mais forte e torna-se mais fácil a descida ao abismo, seguros de que não existe uma luz, uma estrada, um caminho, de que nada mais existe a percorrer…”
Testemunho de ex utente de resposta social da área de toxicodependência da Cáritas Diocesana de Coimbra
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