Testemunho de utente do Centro viHda+
Testemunho de utente do Centro viHda+
O Centro de Atendimento e Acompanhamento Psicossocial viHda+ é um equipamento da Cáritas Diocesana de Coimbra que se dedica à prestação de serviços a indivíduos infetados pelo VIH/Sida e suas famílias, visando a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a criação e reforço das redes de suporte locais a esta população.
Este testemunho foi recolhido com o intuito de resgistar sentimentos e angústias na primeira pessoa de um utente apoiado pelo Centro viHda+.
“ Este conjunto de palavras é baseado nos sentimentos reais de um adolescente, agora com 42 anos, toxicodependente e seropositivo.
É contudo, situações muitíssimo pessoais e particulares, como tal, espero que proporcione conhecimentos sobre o mundo cada vez mais complexo em que vivemos.
Lembro-me de pensar, ontem, que era a pessoa mais feliz do mundo.
Foi mesmo ontem, ou terá sido há infinitos anos atrás?
Lembro-me de reparar que a relva nunca tinha tido um perfume tão fresco.
Agora foi tudo derrubado, por vezes só me apetece desaparecer nos confins do mundo e deixar de existir.
É um tormento. O que estava previsto ser uma viagem ao prazer, alegria e felicidade, ou seja quando iniciei os meus primeiros consumos de heroína e cocaína estava longe no meu pensamento, a gravidade do meu ato, já mais imaginei o pesadelo em que se viria a tornar a minha vida.
Com o decorrer do tempo não me fui dando conta do que estava a perder e o que fui perdendo ao longo dos meus anos de consumo.
Os primeiros sintomas de solidão, tristeza e angústia começaram a surgir já alguns anos mais tarde. Quando me apercebi tinha perdido os amigos de infância, o gosto de lutar por aquilo que mais amamos, a família, porque eles sim sofreram tanto ou mais do que eu.
Deram conta da minha degradação, presenciaram noites e dias de sofrimento ao meu lado, sem eu me aperceber.
Isto é alguns dos muitos exemplos que eu fui perdendo ao longo de uma vida de consumos.
O gosto pelos estudos foram sendo devorados pela degradação e angústia em que me ia enterrando, dia após dia cada vez mais fundo.
No mundo da droga um sofrimento nunca vem só, os anos foram passando e com eles todos os meus sonhos, as forças começaram por fim a escassear, as portas a fecharem-se… foi quando acordei uma manhã numa cama de hospital.
Quando eu pensava que nada mais me poderia magoar ou fazer sofrer, mais do que tinha vindo a sofrer nos últimos anos, foi então que tive uma enorme sensação de vazio dentro de mim, pois tinha a noção que algo de grave se passava com a minha saúde.
Passado 5 meses ainda hospitalizado, mas também já um pouco mais recuperado e consciente, foi então que vim a tomar conhecimento que estava contaminado com o VIH, ou seja era seropositivo.
O impacto da doença, não o senti nos primeiros tempos da minha recuperação, pois a falta de informação ainda era bastante.
A vida, essa sim, eu comecei a sentir cada vez mais a passar-me entre as mãos, pois as dificuldades foram começando a surgir.
Já totalmente recuperado mas um pouco frágil ainda, decidi procurar ajuda e informação em uma Instituição com uma equipa técnica formada e especializada em acompanhamento a pessoas seropositivas.
Assim iniciei uma nova etapa na minha vida, a qual eu nunca imaginei o quanto iria ser tão dolorosa e desgastante.
Sou seropositivo há 14 anos, embora os primeiros anos de doença tenham sido um pouco inconstantes pois o meu organismo estava bastante debilitado e frágil mas com o decorrer do tempo e com o acompanhamento médico fui recuperando o meu estado de saúde.
Apesar de nos dias de hoje haver bastante informação sobre esta doença que afeta inúmeras pessoas a nível mundial, ainda há bastante discriminação, isto a meu ver, tanto a nível pessoal como profissional. Eu próprio tenho sentido isso, nos meus últimos projetos profissionais tenho vindo a sentir cada vez mais o pesadelo, por ser seropositivo. Poucas entidades patronais encaram como sendo uma doença que pode ser controlada, tendo-se os cuidados necessários.
Todo o ser humano tem o direito e a capacidade de desempenhar todo o tipo de profissão ou tarefa de acordo com as normas de Higiene e Saúde no Trabalho, assim sendo todo o seropositivo tem o direito de ter uma vida digna perante a sociedade atual, com os devidos cuidados e prevenção.”
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