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15 de março – 4º domingo da quaresma

Do judaísmo ao cristianismo


Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna. Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus. (João)


Este texto do Evangelho de S. João é tirado do diálogo entre Jesus e Nicodemos, em que S. João apresenta aos chefes religiosos judeus a novidade da doutrina e da pessoa de Jesus. Por isso, todo o diálogo de Jesus com Nicodemos (que no fundo é o confronto do cristianismo com o judaísmo oficial, visto pelo lado do cristianismo) é um texto denso de doutrina. Este evangelho quer mostrar-nos, no fundo, a grande diferença entre o cristianismo e o judaísmo.

S. João começa por recorrer à imagem da serpente que Moisés elevou no deserto. De facto, quando saiu do Egipto, o povo hebreu atravessou o deserto, onde era muito comum as pessoas serem mordidas por serpentes e morrerem. Assim, Moisés fez uma serpente de bronze como uma espécie de amuleto. Há aqui, certamente, uma contaminação dos cultos ofídios dos povos do deserto, mas, independentemente disso, segundo o relato bíblico, as pessoas que tendo sido mordidas por uma serpente olhassem para a serpente de bronze fabricada por Moisés, salvavam-se! S. João faz, então, este paralelismo: tal como as pessoas eram mordidas no deserto pelas serpentes, também são mordidas na vida pelo pecado; e tal como a mordedura da serpente leva à morte física, também a mordedura do pecado leva à morte espiritual, à morte da vida em união com Deus; mas tal como olhar a tal serpente com fé restituiu a vida corporal a que tinha sido mordido pelas serpentes, também olhar com fé a cruz de Jesus restitui a vida espiritual, mesmo tendo sido mordido pelo pecado.

Para reforçar esta ideia, João (como também já vimos a semana passada) joga com o duplo sentido que as palavras podem ter, um mais material, físico, visível, e outro mais espiritual, teológico, invisível. Neste caso, S. João aplica este duplo sentido à palavra “elevar”, se quisermos, à palavra “elevação”, que tanto significa a morte de Jesus na cruz, à qual foi elevado pela condenação dos homens, como a sua ressurreição, isto é, a sua “elevação” ao seio do Pai eterno. Aliás, a palavra “elevação” era usada às vezes pelos primeiros cristãos em vez de ressurreição, para não confundir a ressurreição com uma espécie de reanimação. Portanto, a grande mensagem deste texto do evangelho é afirmar claramente, perante os judeus, que a morte de Jesus na cruz não é uma ignomínia, mas é o caminho pela qual a salvação de Deus veio aos homens, porque essa elevação da cruz é o sinal de outra elevação, a da ressurreição, que é o triunfo absoluto do amor de Deus sobre a morte causada pelo pecado.

Agora, atenção: a possibilidade das pessoas serem condenadas (ao inferno, como costumamos dizer) não acabou, mas a causa dessa condenação mudou! A partir de Jesus Cristo a condenação à morte espiritual deixou de ser por causa do pecado, porque as “elevações” de Jesus na cruz e na glória nos libertam dessa morte pelo pecado, mas passou a ser a recusa em aceitarmos que Deus nos salve pela vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. É por isso que o Evangelho diz que “quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado”.

Naturalmente, como é evidente, quem assume na sua vida a atitude constante de se deixar salvar por Jesus de Nazaré aproxima-se d’Ele, aprende d’Ele, tenta viver com os mesmos critérios d’Ele. Vive na luz. E por isso pratica as obras da luz. Mas pratica obras boas como consequência de acolher o amor de Deus, tal como foi revelado em Jesus de Nazaré, e não para “obrigar” Deus a salvá-lo. Diríamos que faz o bem porque já está salvo e não para se salvar. Isso é ser cristão, diferentemente do que é ser-se judeu.

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