21 de junho – 12º domingo comum
Uma catequese sobre a Igreja
Ao cair da tarde desse dia, Jesus disse aos seus discípulos: «Passemos à outra margem do lago». Eles deixaram a multidão e levaram Jesus consigo na barca em que estava sentado. Iam com Ele outras embarcações. Levantou-se então uma grande tormenta e as ondas eram tão altas que enchiam a barca de água. Jesus, à popa, dormia com a cabeça numa almofada. Eles acordaram-n’O e disseram: «Mestre, não Te importas que pereçamos?» Jesus levantou-Se, falou ao vento imperiosamente e disse ao mar: «Cala-te e está quieto». O vento cessou e fez-se grande bonança. Depois disse aos discípulos: «Porque estais tão assustados? Ainda não tendes fé?» Eles ficaram cheios de temor e diziam uns para os outros: «Quem é este homem, que até o vento e o mar Lhe obedecem?» (Marcos)
Apanhar com uma tempestade no Lago de Tiberíades em certas alturas do ano é relativamente banal, e aquele pormenor da cabeça na almofada dá muito realismo à cena. Partindo, pois, provavelmente dum episódio concreto, Marcos constrói aqui uma das suas belíssimas catequeses, em que o ponto mais evidente é a afirmação do domínio de Jesus de Nazaré sobre as forças da natureza, mesmo as mais revoltas. Subtilmente, é a afirmação da divindade de Jesus: o Criador é o Senhor das criaturas. Mas o centro desta catequese é a Igreja (a barca). Em breves tópicos:
1. A Igreja está vinculada ao Reino de Deus: este episódio acontece “no mesmo dia” daquelas parábolas todas sobre o Reinado de Deus. Mas não se confunde com o Reino: está vinculada de um modo que, logo à partida (“ao cair da tarde”), deixa adivinhar fragilidade, risco, escuridão…
2. A Igreja é um espaço da graça de Deus! A barca é, como sabemos, a Igreja. A Igreja que atravessa a História contendo dentro de si os discípulos e o Mestre, as criaturas frágeis e o Senhor de toda a criação. Mas chamar à Igreja “barca” tem que se lhe diga! A barca só faz sentido no meio do mar. E os judeus não gostavam do mar. Nunca foram um povo marítimo, embora tendo uma extensa costa mediterrânica. O Lago de Tiberíades já era mar que lhes bastasse. Desde logo, o mar representava o reino das forças demoníacas. Chamar a Igreja de “barca” é dizer, então, que ela é um abrigo seguro, que ela é presença da graça de Deus no meio das forças demoníacas, das forças que nos afastam de Deus. E dizer que Jesus amainou o vento e o mar é dizer que Jesus, a partir da Igreja, é o Senhor das próprias forças que se lhe opõem!
3. A Igreja sem Deus deixa de ser o abrigo seguro: as vagas enchem o barco e ele vai mesmo ao fundo! As “forças demoníacas” são, é claro, o pecado nas suas formas pessoais, sociais, estruturais… O pecado, que é sempre produto do homem. Por isso, essa luta entre nós e as forças que nos afastam de Deus é nossa. E porque é nossa, não gostamos de incomodar Deus. Ainda que saibamos que ele vai à proa, deixá-lo dormir descansado! Todavia, o poder do pecado às vezes é tão forte que nos sentimos, enquanto pessoas e mesmo enquanto Igreja, em perigo! Em perigo muito real! É preferível acordar Deus do que ir ao fundo! A Igreja alimenta-se da oração, que, por sua vez, lhe alimenta a fé.
4. A Igreja vive para a missão. Jesus manda a sua Igreja ir para a outra margem. Em discurso direto! É um mandamento explícito de Jesus Cristo aos seus discípulos: irem para a outra margem! A outra margem era a região dos gerasenos (cf Mc 5,1), onde Jesus – apesar de expulsar uma Legião de demónios – é recusado por todos. É lá que a Igreja é chamada a ir! (Hoje, essa outra margem será, conforme a linguagem do Papa Francisco, aquela margem do sofrimento, da injustiça, da pobreza, do pecado… Mas o mandato é o mesmo: sair para a outra margem!).
5. A Igreja está sempre “tramada” (passe o termo): ficar na sua margem, segura das suas coisas (cultura, estruturas, relações…) é não ser missionária. É desobedecer ao mandato de Jesus; é deixar a própria barca apodrecer de inutilidade! É pecado. Saindo, no mar ou na outra margem (Gerasa), está sempre sobre ventos e vontades contrárias! Perdidas todas as seguranças, só da Palavra poderosa do Senhor de toda a criação está segura.
5. A salvação do mundo não é um exclusivo da Igreja: “iam com Ele outras embarcações” será um tópico de realismo da cena, mas nada impede que percebamos que há mesmo outras barcas… que também vão com Ele.
Deixe uma resposta
Tem de iniciar a sessão para publicar um comentário.