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22 de março – 5º domingo da quaresma

O grão de trigo e a cruz


Alguns gregos que tinham vindo a Jerusalém para adorar nos dias da festa, foram ter com Filipe, de Betsaida da Galileia, e fizeram-lhe este pedido: «Senhor, nós queríamos ver Jesus». Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. Jesus respondeu-lhes: «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome». Veio então do Céu uma voz que dizia: «Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O». A multidão que estava presente e ouvira dizia ter sido um trovão. Outros afirmavam: «Foi um Anjo que Lhe falou». Disse Jesus: «Não foi por minha causa que esta voz se fez ouvir; foi por vossa causa. Chegou a hora em que este mundo vai ser julgado. Chegou a hora em que vai ser expulso o príncipe deste mundo. E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim». Falava deste modo, para indicar de que morte ia morrer. (João)


Neste texto do evangelho encontramos quatro partes:
1. O clima de medo vivido no interior do grupo dos discípulos, já nas proximidades da Páscoa em que Jesus vai ser morto.
O medo revela-se no facto de Jesus andar escondido (por isso é que os gregos não o encontram), de Filipe ficar atrapalhado com o pedido dos gregos, de André também ficar atrapalhado quando Filipe lhe conta. Naqueles dias próximos da Páscoa em que Jesus foi crucificado era por demais evidente que ele já não tinha por onde fugir do ódio dos chefes religiosos judeus. E, por isso, aqueles que tinham embarcado com ele na aventura de constituírem uma nova escola doutrinária dentro do judaísmo tremem de medo. Nessa hora derradeira, a própria alma de Jesus está perturbada.

2. O modo como o próprio Jesus vê a sua morte iminente.
Jesus vê a sua morte iminente como o cumprimento total da sua entrega nas mãos de Deus, como a hora da glorificação de Deus: “Pai, glorifica o Teu nome!” É essa certeza que lhe permite “desperturbar” novamente a sua alma. Para aclarar essa ideia de Deus ser glorificado na morte, ideia difícil de perceber, Jesus recorre a uma imagem muito bonita: a sua vida é como a do grão de trigo que só pode dar muito fruto se morrer. E assim também deve ser, segundo ensina Jesus, a vida dos seus discípulos: morrer como o grão de trigo, para que Deus seja glorificado através da vida renascida de muitos.

3. Uma teofania.
Já muitas vezes aqui dissemos que uma teofania é um estilo literário, um modo do escritor sagrado dizer que Deus corrobora, que Deus credibiliza, uma determinada pessoa, uma determinada ação, um determinado ensinamento. Pela sua natureza de “pôr Deus a falar”, os autores sagrados só recorrem a este estilo literário (teofania) para coisas que consideram extremamente importantes. Ora para S. João esta glorificação de Deus na morte de Jesus é de tal modo importante que ele recorre a uma teofania (uma voz que vem do Céu) para afirmar isso mesmo: toda a vida de Jesus, ao estilo de uma vida dada a Deus e aos outros, e a consequente morte, são glorificadas por Deus, são aceites por Deus como o modo de agir correto.

4. Um juízo teológico do evangelista
João remata este texto com um juízo teológico, que retoma a mesma linha de pensamento que vimos na semana passada, através da palavra “elevar”, com o duplo sentido de ser “elevado” na cruz e de ser “elevado” ao seio do Pai (ressuscitar). Todavia, curiosamente, aqui não é o judeu Nicodemos que se prende ao sentido físico da palavra “elevar”, mas é o próprio evangelista João, ao dizer que com a palavra “elevar” Jesus indicava o modo como ia morrer. Com isso, S. João quer dizer, muito fortemente, que não há “elevação” espiritual (ressurreição) que não passe pela “cruz” física; e não só pelo reconhecimento da cruz de Jesus, mas pelo tomar da própria cruz na vida quotidiana: “Se alguém Me quiser servir, que Me siga”. A cruz é o modo dos cristãos estarem no mundo.

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