31 de maio – domingo da Santíssima Trindade
A Galileia e o monte
Os Onze discípulos partiram para a Galileia, em direção ao monte que Jesus lhes indicara. Quando O viram, adoraram-n’O; mas alguns ainda duvidaram. Jesus aproximou-Se e disse-lhes: «Todo o poder Me foi dado no Céu e na terra. Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-as a cumprir tudo o que vos mandei. Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos». (Mateus)
Este texto do evangelho é de Mateus. Este evangelista não relata nenhuma aparição do Ressuscitado aos discípulos, a não ser esta. E termina aqui o seu evangelho, sem mais. Curiosamente, tem antes outra aparição, mas é às mulheres, e com um objetivo muito preciso: para as mandar ir dizer aos discípulos que vão para a Galileia, que será lá que eles O verão. Poderá haver aqui algum fundamento histórico sobre o modo como poderá ter surgido e crescido a fé na Ressurreição de Jesus: a partir de dois polos diferentes, um centrado em Jerusalém, assente no túmulo vazio e no testemunho das mulheres, e outro centrado na Galileia, assente nas aparições do Ressuscitado aos próprios discípulos. Mas Mateus, pela forma como combina os dois contextos, parece fazer questão de evidenciar que Jesus se recusa a deixar-se ver pelos seus discípulos em Jerusalém, onde se deu a Ressurreição, e só se deixa ver na Galileia. Poderíamos simplificar e dizer que Jesus se deixa ver não no lugar da religião oficial, não no lugar culturalmente pertencente a Deus, mas no lugar da vida quotidiana, comum, quase desprezível (“investiga, e verás que da Galileia não sairá nenhum profeta”, atestam os judeus a Nicodemos. Jo 7, 52). Mas Mateus, dizendo isso, quer certamente dizer muito mais do que isso.
Do que Mateus está a falar verdadeiramente é do nascimento da Igreja. Lá, na Galileia, donde arrancou a Boa Nova proclamada por Jesus de Nazaré, arranca novamente a mesma Boa Nova, mas agora proclamada pelos seus discípulos, pela Igreja. A Boa Nova é a mesma, um apelo à conversão e uma mensagem de esperança na ação amorosa de Deus Pai; e o seu autor é o mesmo, Jesus de Nazaré: “ensinai a cumprir tudo quanto vos mandei”. É isso que fica claro neste regresso à Galileia como o lugar de nascimento da Igreja: a Igreja não anuncia uma mensagem sua, nem uma mensagem à sua medida, nem sequer uma mensagem “alterada” pela Ressurreição! Toda a sua referência é Jesus, o galileu acreditado por Deus Pai como aquele a quem todo o poder foi dado no Céu e na Terra. O cristianismo, antes de ser uma questão de fé, é uma questão de referência a Jesus de Nazaré.
O reforço de uma Igreja nascida na fidelidade e para a fidelidade à pessoa e à mensagem de Jesus, o galileu e nosso único Senhor, aparece reforçada em Mateus pelo recurso à imagem do “monte”. Mateus dá muita importância ao facto de ser o monte indicado por Jesus, mas não diz qual é. Em Mateus, “monte” é um lugar teológico. Mateus começa a vida pública de Jesus no cimo de um monte, na Galileia, com o sermão das bem-aventuranças, onde Jesus dá uma Nova Lei. Já nos tinha levado a um monte no episódio das tentações de Jesus; e ainda nos vai levar lá outra vez no episódio da transfiguração. A esta luz, podemos dizer que o “monte” que Jesus indicou aos discípulos é esse “monte” onde se deu a entrega de uma Nova Lei, onde se simbolizou a Nova Aliança de Deus com um Novo Povo (Transfiguração) e onde o próprio Jesus foi tentado.
Então, o monte não é um lugar físico, mas sim a vivência das bem-aventuranças na vida de todos os dias. Só que o “monte” tanto pode ser o lugar da Aliança com Deus (transfiguração), como o lugar da queda no pecado, da adoração aos falsos deuses (era no alto dos montes que eram erguidos altares aos deuses Baal). Em definitivo, “o monte” é sempre o lugar da tentação, entre a fidelidade à Verdade nele revelada e à Aliança nele celebrada, ou o transvio pelos caminhos sedutores dos falsos deuses.
A Igreja nasce nesse “monte” da Aliança com Deus, como o novo Povo de Deus. Mas, tal como Jesus, tem que viver a sua incarnação na permanente tensão entre a graça e a tentação. Fazendo nascer a sua Igreja nesse “monte” onde ele próprio foi tentado, Jesus de Nazaré mostra-lhe os perigos e apresenta-se a Si mesmo, na sua presença permanente através do Espírito Santo, como a força para a Igreja os poder vencer.
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