7 de junho – Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo
A Aliança que nasce da Incarnação
Moisés veio comunicar ao povo todas as palavras do Senhor e todas as suas leis. O povo inteiro respondeu numa só voz: «Faremos tudo o que o Senhor ordenou». Moisés escreveu todas as palavras do Senhor. (…) Depois, tomou o Livro da Aliança e leu-o em voz alta ao povo, que respondeu: «Faremos quanto o Senhor disse e em tudo obedeceremos». Então, Moisés tomou o sangue e aspergiu com ele o povo, dizendo: «Este é o sangue da aliança que o Senhor firmou convosco, mediante todas estas palavras». (Êxodo)
Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Ele é mediador de uma nova aliança, para que, intervindo a sua morte para remissão das transgressões cometidas durante a primeira aliança, os que são chamados recebam a herança eterna prometida. (Hebreus)
Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu Corpo». Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele. Disse Jesus: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens. (Marcos)
A liturgia de hoje, em Dia de Corpo de Deus, traz à nossa meditação o tema da Aliança, que é verdadeiramente o eixo sobre o qual gira toda a fé judaico-cristã: Deus é um aliado! Deus está do nosso lado, estende o seu poderoso braço em nosso favor e inimigo algum pode alguma coisa contra nós porque inimigo algum pode alguma coisa contra Ele. “Se Deus é por nós, quem será contra nós?!” (Rom 8, 31).
Olhando as Leituras, a referência explícita de Marcos ao “sangue da Aliança” evoca e cria um paralelismo muito próximo entre a última ceia do Senhor Jesus e a celebração do Sinai. Mas à similitude da preparação, e dos elementos, palavras e gestos entre os rituais celebrativos da Antiga e da Nova Alianças contrapõe-se uma diferenciação absoluta em termos de sinais, sacerdote e conteúdo. O “altar” já está pronto, o sangue dos novilhos torna-se sangue de um homem bom, o sacerdote deixa de ser um intermediário para ser o próprio Filho e a aliança de compromisso bilateral, assente na promessa repetida por parte do povo de cumprimento da vontade de Deus, torna-se um compromisso exclusivo de Deus, que se alia com a multidão dos homens quando eles ainda são um povo de pecadores: “não fomos nós que amámos a Deus, mas foi ele que no amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados” (1 Jo 4, 10).
Acresce que Jesus sela o gesto ritual da bênção e partilha do pão e do vinho com a partilha efetiva da sua vida totalmente derramada, até ao último suspiro, até à última gota de sangue, no cumprimento da vontade de Deus: aquela promessa de “a tudo obedecermos” do povo no Sinai apenas encontrou cumprimento pleno no homem de Nazaré.
Não espanta, por isso, que a teologia dos primeiros cristãos rapidamente tenha feito uma releitura sacrificial, expiatória e sacerdotal da vida de Jesus, expressa singularmente na Carta aos Hebreus. E com que beleza o fez! E com que profundidade! Mas, apesar disso, e até por isso, temos também que dizer que esta releitura sacerdotal-sacrificial da incarnação do Verbo, sendo verdadeira, se não for lida de modo abrangente, corre o risco de reduzir a Incarnação a uma encenação, esvaziando-a da sua característica mais significativa: a contingência da “carne”, a fraqueza da carne, a impotência da carne. Já S. João teve que lutar contra esse reducionismo, então extremado em heresia: “apareceram no mundo muitos sedutores que afirmam que Jesus Cristo não veio em carne mortal. Esse é o sedutor e o anticristo!” (2 Jo 7). Pelo contrário, partícipe de uma História marcada pelo pecado e pela prepotência, o Filho de Deus apenas tem como armas para transformar esta mesma História em reinado de Deus a sua carne mortal: uma sensibilidade, uma inteligência e uma vontade permanentemente aferidas pela fidelidade à Aliança.
Por isso, pode o Concílio afirmar sem equívocos: “N’Ele, a natureza humana foi assumida e não destruída. E por isso mesmo, também em nós foi a natureza humana elevada a sublime dignidade” (Cf GS 22).
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