19 de abril – 3º domingo da páscoa
É o mesmo Jesus histórico, mas é o totalmente Outro
Os discípulos de Emaús contaram o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão. Enquanto diziam isto, Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito. Disse-lhes Jesus: «Porque estais perturbados e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo; tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E como eles, na sua alegria e admiração, não queriam ainda acreditar, perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa para comer?» Deram-Lhe uma posta de peixe assado, que Ele tomou e começou a comer diante deles. Depois disse-lhes: «Foram estas as palavras que vos dirigi, quando ainda estava convosco: ‘Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’». Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras e disse-lhes: «Assim está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, e que havia de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois as testemunhas de todas estas coisas». (Lucas)
A ressurreição de Jesus não cabia em nenhuma estrutura mental ou cultural do tempo dos apóstolos. Quando muito, poderia caber uma ressuscitação, como se a pessoa só tivesse estado num estado de morte aparente e depois acordasse novamente para a vida (para voltar a morrer definitivamente daí a algum tempo). Para alguns judeus, como os saduceus, nem sequer se colocava a ideia de uma vida para além da morte! Por isso, anunciar a Ressurreição de Jesus era uma coisa extremamente difícil, quer junto dos judeus, quer junto dos gregos (por exemplo, quando S. Paulo, em Atenas, fala aos gregos na ressurreição, eles vão-se embora…).
Assim, anunciar a Ressurreição de Jesus implica dizer duas coisas:
1. Que não se trata de voltar a ter o mesmo corpo físico, mas de ter agora um corpo todo ele espiritual
2. Mas afirmar em simultâneo que esse Ressuscitado é o mesmíssimo Jesus histórico, e não um fantasma ou uma “substituição” do Jesus histórico por outro qualquer ser “divino”.
Ora, com o episódio dos discípulos de Emaús, cuja lição na leitura de hoje é dada como já sabida, Lucas diz-nos exatamente a primeira coisa: Jesus ressuscitado não é reconhecido pelos seus sinais físicos mas é reconhecido como O Ressuscitado através da reflexão das Sagradas Escrituras, através da Eucaristia e através da ação do seu Espírito no seio da sua comunidade. No fundo, através da Palavra Sagrada, dos sacramentos e da vida apostólica da Igreja. A ressurreição diz respeito a outra forma de vida, que não a carnal, física e mensurável, mas espiritual; e por isso os sinais do seu reconhecimento são outros.
Todavia, feita esta afirmação, é necessário logo complementar com a outra: mas o Ressuscitado é aquele que carnalmente, fisicamente, conviveu com eles, conversou com eles, comeu com eles, e foi crucificado. É ele mesmo! Não outro. Lucas faz esta afirmação com o evangelho que lemos na missa de hoje, tomando (tal como faz João) os sinais dos cravos nas mãos e nos pés e a refeição. Mas o texto é catequético: não quer dizer que Jesus depois de ressuscitado comia postas de peixe, mas quer dizer que é o mesmo Jesus que antes comia com eles e precisava de comer para sobreviver.
Quer dizer que o texto dos discípulos de Emaús e o texto desta aparição não devem ser separados, mas lidos em conjunto. Aliás, nesta aparição Lucas retorna logo ao mesmo fundamento do caminho de Emaús: abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras. O reconhecimento do Ressuscitado não passa pela visão física do mesmo, mas pela compreensão das Escrituras.
Evidentemente, temos como certo que a fé na ressurreição nasce das aparições do Ressuscitado. Mas os textos não nos permitirão nunca saber o que foram ou como foram tais aparições. Os autores sagrados têm a sua preocupação centrada no essencial. E o essencial é: esse Jesus que foi crucificado, está vivo numa outra dimensão, toda divinizada. É ele o Messias; é ele aquele que tira o pecado do mundo. É disto que os apóstolos são e querem ser testemunhas.
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