29 de dezembro – Festa da sagrada Família de Jesus, Maria e José
Jesus, o novo Moisés da nova Aliança
Como eleitos de Deus, santos e prediletos, revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. (Colossenses)
Depois de os Magos partirem, o Anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egipto e fica lá até que eu te diga, pois Herodes vai procurar o Menino para O matar». José levantou-se de noite, tomou o Menino e sua Mãe e partiu para o Egipto e ficou lá até à morte de Herodes. Assim se cumpriu o que o Senhor anunciara pelo profeta: «Do Egipto chamei o meu filho». Quando Herodes morreu, o Anjo apareceu em sonhos a José no Egipto e disse-lhe: «Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e vai para a terra de Israel, pois aqueles que atentavam contra a vida do Menino já morreram». José levantou-se, tomou o Menino e sua Mãe, e voltou para a terra de Israel. Mas, quando ouviu dizer que Arquelau reinava na Judeia, em lugar de seu pai, Herodes, teve receio de ir para lá. E, avisado em sonhos, retirou-se para a região da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré. Assim se cumpriu o que fora anunciado pelos Profetas: «Há de chamar-Se Nazareno». (Mateus).
O evangelho começa por se situar depois da visita dos Magos. Ora nós só vamos ler o texto da visita dos Magos na próxima semana. Isso quer dizer que a liturgia trocou aqui o texto de Mateus, para nos apresentar hoje, dia da Sagrada Família de Jesus, Maria e José um texto em que, sem sair do ambiente das festas natalícias, se fala daquela família concreta, enfrentando as contingências da vida.
Quanto ao texto em si, vimos na semana passada que o “sonho de José” e a “fuga para o Egipto” são relatos próprios de Mateus. E se na semana passada dissemos que o “sonho de José” foi um recurso literário de Mateus para afirmar que Jesus foi, de facto, embora juridicamente, “Filho de David”, hoje devemos acrescentar que a “fuga para o Egipto” é outro recurso de Mateus para afirmar que Jesus é, desde o seu nascimento, “o mediador da Nova Aliança” entre Deus e os homens, tal como Moisés tinha sido o mediador da antiga Aliança do Sinai. Existe efetivamente um paralelo quase absoluto entre este texto de Mateus e a história de Moisés (no livro do Êxodo e noutros relatos da cultura judaica).
Esta observação obriga-nos a considerar outra coisa: a importância da Aliança para os judeus (e para nós). Com a palavra Aliança, os judeus exprimiam a ideia de que Deus se ligara de um modo especial com eles, enquanto povo, ao jeito de um casamento. Fizera esta Aliança por meio de Moisés, no monte Sinai. Mas por causa do pecado deles (que foi uma infidelidade à tal aliança) tinham sofrido o castigo de Deus (visível sobretudo nas deportações e nas invasões por potências estrangeiras). Por isso aspiravam tanto por um Messias, que seria alguém que refaria a Aliança entre Deus e eles, segundo as repetidas promessas dos profetas. O Messias, portanto, tinha esta missão fundamental: restaurar a Aliança entre Deus e o Povo. E por isso Mateus, com este relato da fuga para o Egipto, insiste nessa ideia: Jesus, repete a história de Moisés; não certamente a história existencial, mas sim o mais importante dessa história, a realização da Nova Aliança que os judeus tanto esperavam, agora já não só entre Deus e um povo específico, mas entre Deus e toda a humanidade.
Do hino que lemos na Segunda Leitura, todo ele exortativo à feliz vivência na comunidade cristã, e desde logo no seio da família cristã, considerada “a Igreja doméstica”, apenas duas notas:
1. a expressão “suportai-vos uns aos outros”, que não significa “aturai-vos uns aos outros”, mas sim “sede o suporte uns dos outros”, sede a segurança uns dos outros, sede o esteio uns dos outros;
2. a referência aos papéis jogados no interior da família por cada um dos seus membros, e particularmente aquela ideia da submissão da mulher ao marido, tem que ser lida, naturalmente, dentro da cultura da época. Não são, nem nunca foram, os condicionalismos de uma cultura concreta, num tempo concreto, que matam o espírito dos textos inspirados. Se alguma coisa mata o seu espírito, é outro tipo de atavismos. É evidente que o hino pretende exaltar o respeito e amor familiares mútuos, mesmo que a linguagem cultural do tempo não lhe permitisse expressar-se noutros modelos.
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