XXXII DOMINGO DO TEMPO COMUM
1 Reis 17, 10-16; Sl 145; Hebr 9, 24-28; Mc 12, 38-44
A religião observada no seu cenário preferido
Jesus ensinava a multidão, dizendo: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas com pretexto de fazerem longas rezas. Estes receberão uma sentença mais severa». Jesus sentou-Se em frente da arca do tesouro a observar como a multidão deitava o dinheiro na caixa. Muitos ricos deitavam quantias avultadas. Veio uma pobre viúva e deitou duas pequenas moedas, isto é, um quadrante. Jesus chamou os discípulos e disse-lhes: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver». (Marcos)
A religião observada no seu cenário preferido
Conduzidos por Marcos, tínhamos deixado, há duas semanas, Jesus na última etapa da subida para Jerusalém. [No Domingo passado fizemos um parênteses para celebrar “Todos os Santos”]. Agora vamos encontrá-l’O já em Jerusalém.
Jerusalém é a antítese da “doce Galileia”. Ao ambiente calmo, agrícola, pastoril e piscatório (no Lago) da Galileia, opõe-se aqui um ambiente urbano, buliçoso, marcado por ritos religiosos, festas e grandes peregrinações de judeus que chegam de todos os pontos da diáspora. No centro desta continua agitação da vida local está o Templo, que domina religiosa, social e arquitectonicamente sobre toda a cidade. O Templo, em si, é também sinal de contradição: como lembrará Mateus, dois homens subiram ao Templo para rezar e um veio justificado e o outro não! Mesmo para os evangelistas, o Templo apresenta validades diferentes. Para S. Lucas, por exemplo, o Templo é um lugar privilegiado na vida de Jesus e na vida da Igreja nascente; já S. Marcos não nutre especial simpatia pelo Templo, antes pelo contrário… Segundo S. Marcos, a primeira coisa que Jesus faz depois de entrar em Jerusalém é entrar no Templo e “examinar tudo em seu redor” e logo a seguir “purificar o Templo”, porque este lhe aparecia como uma figueira que atrai os famintos com a ilusão das folhas, mas depois não tem frutos para os saciar…
O Templo domina, pois, Jerusalém, e a estadia de Jesus em Jerusalém nos dias que antecedem a Sua morte. Ali, Jesus ensina, confronta e é confrontado por sacerdotes, escribas, saduceus, fariseus, povo… Não é que sejam multidões, como o texto litúrgico da missa de hoje induz a pensar. O texto bíblico diz: “e a numerosa multidão ouvia-o com agrado”. É apenas a “multidão” normal do Templo!, caracterizada sobretudo pela diversidade de gentes e pelo ritmo de entrar e sair…
Mas no meio desta agitação, e mesmo participando dela, Jesus revela-se antes de mais um observador. Guarda uma distância crítica que lhe permita perceber as verdadeiras causas e motivações de toda aquela gente. O templo de pedra torna-se um cenário onde se multiplicam os actores. Jesus olha… como verdadeiro aprendiz da natureza humana! Por exemplo, quando Jesus alude aos escribas não é por qualquer velho azedume, mas porque eles ali saltam à vista, quer pela quantidade, quer por um certo pavoneamento de classe!: “gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e banquetes”!
Marcos hoje traz-nos dois elementos fundamentais da aprendizagem que Jesus faz como observador do grande palco do Templo de Jerusalém: primeiro, Jesus apercebe-se de que a religião pode ser usada, e que de facto era usada, para explorar as pessoas, sobretudo as mais pobres, em proveito dos actores de topo!: “devoram as casas das viúvas com pretexto de fazerem longas rezas”. Mas, posto isto, falta dizer a outra parte: a religião também pode ser o veículo privilegiado (e para muitas pessoa é) para entrar na relação total (filial) com Deus. É o caso da viúva que no acto religioso de dar a esmola para o Templo, entrega tudo o que ela própria é nas mãos de Deus.
Assim, neste Evangelho, o confronto não é entre Jesus e os escribas, nem depois entre os que dão do que lhes sobra e a viúva que deu tudo o que tinha. O confronto é entre os escribas e a viúva! Um confronto de atitude e de prática religiosa, de atitude e de prática social, de atitude e de prática material…
Vale a pena tentarmos nós também exercer uma distância crítica sobre a nossa própria prática religiosa e tentarmos perceber de que lado destas atitudes e comportamentos estamos: do lado dos escribas ou da viúva?
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