18 de março – 4º domingo da quaresma
Em nome da verdade
Disse Jesus a Nicodemos: «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna. Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele. Quem acredita n’Ele não é condenado, mas quem não acredita já está condenado, porque não acreditou no nome do Filho Unigénito de Deus. E a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus. (João)
É importante ter em conta que os ensinamentos de Jesus relatados por João no evangelho que lemos têm como destinatários os chefes religiosos judeus, que foram os grandes condenadores de Jesus à morte de cruz. Daí, todo o grande jogo de antíteses entre condenação-salvação, luz-trevas, prática da verdade – prática de más ações. É evidente que João denuncia a ação dos chefes religiosos, particularmente do Sinédrio, como “corpo político-religioso”, tanto na condenação de Jesus à morte como na persistência no erro depois da ressurreição de Jesus. Mas, por outro lado, quando João escreve, já não está a pensar naquele Sinédrio que condenou Jesus, nem naqueles chefes judeus, nem no templo, porque tudo isso já fora destruído por Tito. Esses chefes judeus são apenas um motivo-provocatório. João está a pensar já, realmente, em muitos chefes religiosos cristãos, mergulhados em heresias (ou falsas doutrinas), sobretudo numa heresia segundo a qual o Filho de Deus não estava na cruz, mas apenas o homem Jesus, e por isso a cruz não tinha qualquer valor.
A preocupação de João é, pois, reafirmar o valor salvífico da cruz de Jesus. E, para isso, recorre a uma imagem do Antigo Testamento: a serpente de bronze de Moisés.
É preciso primeiro dizer que a serpente estava profundamente integrada na cultura das sociedades nómadas do médio oriente que se deslocavam por grandes extensões de deserto. Era um dos poucos seres vivos do deserto e detinha um terrível poder sobre as pessoas (as mordeduras traiçoeiras e venenosas). E como se tratava de culturas de sobrevivência e profundamente míticas, a serpente estava integrada no campo dos “deuses”, benéficos ou maléficos. Era sobretudo adorada como benfeitora na luta contra a doença. O Povo de Deus também tinha integrado a serpente na sua cultura, como nos relata o Livro dos Números. Aí se diz que naqueles quarenta anos em que o Povo andou errante no deserto, muitas pessoas eram mordidas por serpentes e morriam. E os casos eram tantos que o povo viu nisso um castigo de Deus para os seus pecados e dirigiu-se a Moisés para que este intercedesse junto de Deus. Então, Deus mandou que Moisés fizesse uma serpente de bronze e a colocasse no cimo dum poste, donde pudesse ser vista por toda a gente; e, a partir daí, se alguém olhasse para a serpente de bronze quando fosse mordido, sobrevivia. [Este objeto de bronze terá sido destruído muito mais tarde, pelo rei Ezequias].
Então, João afirma: tal como olhar aquela serpente com fé salvava as pessoas da morte certa provocada pela mordedura das serpentes, também olhar a cruz com fé na verdadeira presença do Verbo eterno de Deus ali crucificado, salva as pessoas do pecado, das trevas, das obras más. Praticar obras más, aqui, não é propriamente fazer más ações, como seja qualquer pecado contra os mandamentos, mas é o não reconhecimento da verdade e a difusão da mentira. Por isso aquilo que se contrapõe às obras más é a verdade, que é esta: o crucificado é Deus verdadeiro, na pessoa do Filho.
De resto, João vinca ainda mais esta ideia com a palavra “elevar”, que tem um duplo sentido: Jesus é “elevado” na cruz e é “elevado” na ressurreição! O ressuscitado é o crucificado, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
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