22 de abril – 3º domingo da páscoa
“Sou Eu mesmo”
Os discípulos de Emaús contaram o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir do pão. Enquanto diziam isto, Jesus apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: «A paz esteja convosco». Espantados e cheios de medo, julgavam ver um espírito. Disse-lhes Jesus: «Porque estais perturbados e porque se levantam esses pensamentos nos vossos corações? Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo; tocai-Me e vede: um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que Eu tenho». Dito isto, mostrou-lhes as mãos e os pés. E como eles, na sua alegria e admiração, não queriam ainda acreditar, perguntou-lhes: «Tendes aí alguma coisa para comer?» Deram-Lhe uma posta de peixe assado, que Ele tomou e começou a comer diante deles. Depois disse-lhes: «Foram estas as palavras que vos dirigi, quando ainda estava convosco: ‘Tem de se cumprir tudo o que está escrito a meu respeito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos’». Abriu-lhes então o entendimento para compreenderem as Escrituras. (…)(Lucas)
A liturgia deste domingo foi buscar o Evangelho ao texto de Lucas, o evangelista do “caminho”. O texto segue-se àquela aparição muito conhecida de Jesus aos discípulos de Emaús.
Mas, aqui, precisamos de fazer um parênteses para dizer que, evidentemente, Deus pode intervir de modo extraordinário (=fora do comum) na História. Se assim não fosse, o próprio Jesus não teria existido, ou não seria Deus. As Aparições do Ressuscitado aos seus discípulos inscrevem-se nessa ação extraordinária de Deus, e S. Paulo, muito cedo, faz um elenco preciso delas, apelando mesmo ao testemunho de muitos que as tiveram e ainda viviam quando ele as elencou. Agora, dito isto, importa dizer outra coisa: as aparições relatadas nos Evangelhos não podem ser lidas como meros relatos factuais, mas têm que ser lidas sobretudo como catequeses, como ensinamentos, porque era essa a intenção dos evangelistas (“isto foi escrito para acreditardes”, como dizia S. João no Evangelho do domingo passado”).
Ora, terminado o parênteses, percebemos que sobretudo esta aparição do Ressuscitado aos discípulos de Emaús, mais do que qualquer uma das outras, está descrita numa estrutura toda catequética, onde se ensina, basicamente, que Jesus Ressuscitado não é visível, não é palpável, mas apenas pode ser descoberto na fé, isto é, ao longo de uma caminhada espiritual que reflete longamente sobre as Escrituras e se abre em celebração comunitária na Eucaristia. De algum modo, todo o relato da Aparição aos discípulos a caminho de Emaús é para dizer que Jesus Ressuscitado não aparece, não é visível com os olhos físicos!: não O reconheceram enquanto andavam; e no momento em que se lhes “abrem os olhos”, Ele desaparece…
Mas depois de afirmar esta radical diferença entre a realidade da Ressurreição e a realidade da Encarnação, ou seja, depois de afirmar que a Ressurreição é outra realidade tão diferente de tudo o que nós conhecemos que não temos “olhos” para a alcançar, a não ser os olhos da fé, Lucas precisa de afirmar uma segunda verdade: as realidades são radicalmente diferentes, mas a pessoa é a mesma, o Ressuscitado vive em dimensões completamente novas, inatingíveis e incognoscíveis por quem se encontra ainda no caminho da vida terrena, mas é o mesmo Jesus que foi crucificado, impotente, sob as ordens de Pilatos, o mesmo Jesus com quem eles comeram peixe assado, o mesmo Jesus que nunca foi um “espírito”, mas uma pessoa completa com carne e ossos. De um modo mais curto: o ressuscitado é Jesus de Nazaré. E aqui voltamos a bater naquela ideia que já afirmámos vigorosamente na semana passada: o nosso Deus é esse Jesus que morreu há 2000 anos (“meu Senhor e meu Deus”); o nosso Deus não é um espírito, naquele sentido de ”espírito” que todos temos na cabeça…; o nosso Deus é o Jesus histórico-ressuscitado, em quem se cumpriram todas as Escrituras. Era nisto que os apóstolos, apesar da alegria de O verem ressuscitado, “não queriam ainda acreditar”.
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