Utentes de Centro de Dia sentem falta de socializar
“As saudades que eu tenho de antes de todos chegarem, ajudar as senhoras do Centro de Dia a preparar mais um dia. Era eu que abria as janelas/estores enquanto as senhoras preparavam o chá e as bolachinhas” – Sr. Nunes
Um ano depois do início da pandemia, os Centros de Dia da Cáritas de Coimbra mantêm-se encerrados, por força da lei. São muitos os relatos de utentes, há um ano confinados nas suas casas, nos quais explicam porque é que a resposta de Centro de Dia lhes faz tanta falta.
É certo que há muitos anos que existe uma intenção de manter as pessoas mais velhas o máximo de tempo possível nas suas casas, de forma mais saudável e mais independente. Têm sido muitos também os projetos que tentam desenvolver soluções inovadoras com este fim. Mas o que se evita afinal? O que se pretende é retardar a ida para uma Estrutura Residencial para Idosos, utilizando serviços, como o Apoio Domiciliário, que permitem que as pessoas se sintam apoiadas em casa e lá permaneçam durante mais tempo. Mas será suficiente?
Voltando ao assunto. Ao longo deste ano em que a pandemia se instalou em Portugal, os utentes sem retaguarda familiar que frequentavam a resposta de Centro de Dia, viram-se obrigados a permanecer nas suas casas com os serviços prestados na resposta de Serviço de Apoio Domiciliário sempre que necessário. Após algumas conversas com os utentes, foi possível perceber que, no caso dos mais ativos, os serviços de alimentação, higiene pessoal ou da casa, não são os que lhes fazem falta ou que colmatam as suas necessidades. Deixaram de ter um sentido de propósito. Levantavam-se de manhã por um motivo: tinham a carrinha da Cáritas de Coimbra à hora marcada nas portas das suas casas para os levarem para o Centro de Dia. Deixaram de ter a quem dizer bom dia quando chegam às instalações da instituição; até mesmo os menos faladores e que mais se isolavam sentem falta do movimento à sua volta, dos colaboradores que os recebiam. Falta-lhes a companhia dos seus colegas ao almoço, muitas vezes a única refeição que faziam com companhia. Falta-lhes o espaço para se movimentarem, já que as suas casas não têm área suficiente para “esticarem as pernas”. A mobilidade destes adultos mais velhos está cada vez mais reduzida devido à falta de aulas de ginástica e do uso das pedaleiras existentes nos Centros de Dia, que muitos tinham o hábito de usar, mesmo que por poucos minutos. As situações das pessoas com demência agravaram-se também sem a estimulação cognitiva que era prestada pelos animadores do Centro e mesmo sem o próprio convívio com os restantes utentes.
Alguns utentes relataram mesmo que não têm necessidade dos serviços de alimentação ou de higiene. Mesmo com 92 anos, uma das utentes de Centro de Dia refere que ainda é capaz de lavar a sua louça e fazer a sua comida e que o lhe faz falta mesmo é ir ao Centro de Dia ver “os seus colegas” e apesar de pouco conversadora, sente falta de uma boa conversa. Por outro lado, nem todos têm a hipótese de se manterem nas suas casas e assegurar a sua segurança, conforto e higiene diários. Nestes casos verificou-se uma institucionalização precoce em Estrutura Residencial para Idosos (Lares), não só pela questão da socialização, mas porque os seus familiares se encontram ausentes por motivos laborais.
O sentimento de segurança e de se sentirem acompanhados também é muitas vezes referido. Durante a pandemia e através de projetos em execução na Cáritas de Coimbra, como o caso do DAPAS, foi possível distribuir tablets pelos utentes, que lhes permitiram sentir-se mais acompanhados, com ligação aos colaboradores dos centros dos quais usufruíam. Esses equipamentos permitiram-lhes fazer videochamadas sempre que necessário. Alguns dos utentes mostraram alguma resistência inicial em aceitar receber um tablet para uso próprio nas suas casas. No entanto, ao longo da pandemia descobriram capacidades para os utilizar que pensavam não ter. Utilizam-nos para falar com os familiares, para ver receitas, notícias, para jogos. Apesar da baixa escolaridade que muitos detêm, a literacia digital que adquiram de forma autónoma é surpreendente. Garantem mesmo que foi o que os fez “aguentar” o isolamento durante a pandemia e apesar de terem muita vontade de que o Centro de Dia volte a abrir, não querem que os projetos terminem, pois gostariam de manter o seu novo amigo tecnológico por perto, para quando regressam a casa.
A socialização, a estimulação cognitiva e a atividade física devem ser consideradas serviços tão importantes como a alimentação ou a higiene. Estimulam a conversação, exercitam o cérebro, estimulam a memória, combatem o isolamento e transmitem-lhes felicidade. Os utentes foram sempre acompanhados pelos colaboradores da Cáritas de Coimbra, através de chamadas telefónicas, nas quais nunca deixaram de perguntar pelos seus colegas e companheiros de Centro de Dia.