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2 de março – 8º domingo comum

Em radical oposição aos saduceus



Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro. Por isso vos digo: «Não vos preocupeis, quanto à vossa vida, com o que haveis de comer, nem, quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento e o corpo mais do que o vestuário? (…) Não vos inquieteis, dizendo: ‘Que havemos de comer? Que havemos de beber? Que havemos de vestir?’ Os pagãos é que se preocupam com todas estas coisas. Bem sabe o vosso Pai celeste que precisais de tudo isso. Procurai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo. Portanto, não vos inquieteis com o dia de amanhã, porque o dia de amanhã tratará das suas inquietações. A cada dia basta o seu cuidado». (Mateus)

Continuamos a ler o grande discurso colocado por Mateus no início da vida pública de Jesus. Nos dois últimos domingos, através daquele conjunto de formulações “foi-vos dito…; eu, porém, digo-vos”, vimos o que separava Jesus dos fariseus. Hoje saímos do campo da Lei e entramos no campo das “compreensões da vida”, onde os opositores de Jesus deixam de ser os fariseus e passam a ser outros grupos judaicos dominantes, nomeadamente os saduceus. Entre outros aspetos, os saduceus caraterizavam-se, do ponto de vista social, por serem a classe rica e terem entre os seus membros os mais altos sacerdotes do templo e os doutores da Lei; do ponto de vista religioso, por só aceitarem os cinco primeiros livros da Bíblia e não acreditarem na ressurreição. Logo, são ricos, acumulam riqueza, não dão ouvidos aos profetas (que sempre lutaram pela justiça social) e reduzem a vida a este mundo.

Na lógica dos saduceus, os bens materiais eram uma espécie de recompensa de Deus pela virtude das pessoas: quem era rico, é porque era muito abençoado por Deus; e se era muito abençoado, só podia ser porque certamente o merecia! Acontece, porém, que desta lógica derivam três consequências terríveis:
– a primeira é que Deus e o dinheiro acabam por se fundir numa coisa só: o dinheiro é sinal de Deus e Deus é sinal de dinheiro!;
– a segunda é que, por consequência, fica justificada toda a ganância!;
– a terceira é que as desigualdades sociais deixam de ser questionadas: quem é pobre é porque não merece ser rico aos olhos do próprio Deus. Ponto final, parágrafo.

Ora, no evangelho de hoje, Jesus rompe em absoluto com esta visão, colocando Deus e o dinheiro como dois senhores “diferentes”, não sendo possível adorar a ambos. Por consequência, quem adora a Deus não pode ser ganancioso nos bens materiais. Jesus corta, portanto, radicalmente, com aquelas “consequências terríveis” da teologia dos saduceus, que são a confusão entre Deus e o dinheiro e a justificação religiosa da ganância.

Falta a resposta à terceira “consequência terrível” da teologia dos saduceus: o não questionamento das desigualdades sociais. Bem, ninguém é obrigado a fazer esta leitura, mas atendamos a isto: Mateus tem cinco grandes discursos no seu evangelho. Este é ainda primeiro; agora, somos capazes de adivinhar como é que termina o quinto e último discurso?! Com Jesus a identificar-se, ele próprio, já como Juiz Universal, com os pobres e a dizer: “malditos, que eu tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber, estava nu e não me vestistes”. Literalmente as coisas com que se preocupam os pagãos segundo o evangelho da missa de hoje! Dá a sensação que esse questionamento da desigualdade social, afinal, é de tal modo tão importante para Jesus, que Mateus nos deixa aqui em suspenso, e o guarda , como chave de ouro, para encerrar toda a doutrina de Jesus. E pagãos, afinal, são os saduceus!

Apenas mais uma nota: estamos muito habituados a ver Jesus em confronto com os fariseus. Mas é inquestionável que o confronto com os saduceus foi muito mais violento, ainda que transpareça no evangelho menos vezes. E, atenção: a cultura atual, se a despirmos das considerações religiosas, está muito próxima do pensamento dos saduceus. Como diz o Papa Francisco: “esta economia mata”. Será que este evangelho nos questiona mesmo em alguma coisa?!

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